Teoria construtivista sócio-histórica aplicada ao ensino
Jiron Matui
RESENHA
Esta obra, escrita por Jiron Matui, professor-assistente do Departamento de Psicologia da Unesp-Assis, e publicada pela editora Moderna, em 1996, pode auxiliar, e muito, o desenvolvimento dos programas de diversas disciplinas pois, em seus quinze capítulos, esclarece com detalhes o que vem a ser construtivismo, bem como os mal-entendidos acerca do tema.
Explica que o interesse pelo construtivismo, como teoria, passou excessivamente rápido de Piaget para Wallon e dele para Vygotsky, sem que tivesse ocorrido a devida assimilação de cada autor em particular. Esta obra pretende ser uma contribuição para aprimoramento do pessoal envolvido no ensino.A primeira parte, Postura Político-Construtivista, é formada por cinco capítulos: Visão do mundo e da natureza humana, Postura política, Construtivismo, Psicogênese e A dialogicidade e o método clínico- crítico. Inicia dizendo que construtivismo é antes de tudo uma nova visão do mundo e da natureza humana, assunto especialmente oportuno , de um lado, para desvelar o anacronismo das políticas pedagógicas tradicional e escola-novista, que é necessário superar, e, de outro, para fundamentar a prática construtivista, a ser consolidada.Hoje, na área da educação, duas correntes principais sobre a visão de mundo se opõem: a visão fixista e a transformista, sendo a primeira correspondente à visão da prática docente tradicional. O fixismo vê o mundo, a sociedade e a vida parados, imutáveis. Trata-se de uma visão primitiva, nascida do idealismo grego, e que não se afina com a idéia de evolução nem de dialética (Arte de argumentar ou discutir; argumentação dialogada; método que considera as coisas e os conceitos em sua conexão, encadeamento, movimento, aparição e desaparição). A visão fixista recebeu confirmação no mito da criação, em todo período medieval, e considera que as coisas foram criadas acabadas.Esse é o método metafísico de pensar: considerar como verdadeiro o que está por trás e além do concreto. Metafísica significa simplesmente “aquilo que vem depois da física”, da aparência externa; busca o conhecimento da essência das coisas, como dadas na natureza.Irmã gêmea da visão fixista é a visão maniqueísta, que separa os seres do mundo em bons e maus e, como considera que os objetos são criações inalteráveis, classifica-os como bons ou maus por natureza.Uma das manifestações mais comuns desse modo de pensar é a atitude de separar e dividir os seres, excluindo um do outro, isto é, eles são uma coisa ou outra, e nunca uma coisa e outra. Essa visão dicotômica da realidade separa, além do bem e do mal, o sagrado e o profano, o técnico e o político. Na educação, é responsável pela separação entre teoria e prática dissociando o pensamento e o planejamento do fazer e agir.Escola tradicional Do ponto de vista histórico, surgiu para ensinar os filhos da aristocracia a ler, escrever e contar. Organizada inteiramente dentro da visão fixista e essencialista do mundo e da natureza humana; considera que o homem é dotado de uma essência imutável e que a educação procura apenas moldar-se a ela. Essencialista, vê as coisas como definitivas e imutáveis. Movimento e mudanças não fazem parte do seu quadro de pensamento. Caso ocorram, são meramente acidentais.Há duas vertentes de escola tradicional:
- Religiosa - vem desde a Idade Média e é influenciada pela teologia católica;
- Leiga - nasceu e cresceu com a burguesia, tendo servido de instrumento para sua consolidação. Foi essa corrente leiga que construiu os sistemas públicos de ensino com base na laicidade, obrigatoriedade e gratuidade, aspectos que permitiram o acesso do povo à escola.
Metodologicamente, o ensino da escola tradicional é autoritário e rígido, pois acredita que, se existe uma essência humana, o ensino pode ser igual para todos, numa ordem lógica e preestabelecida.
Nesse sistema o adulto tem muita autoridade, não só porque sabe mais, mas também porque considera adulto como sinônimo de completo, de indivíduo acabado, e a criança como um ser incompleto e inacabado. Por isso ela deve respeito e obediência ao adulto.Na sala de aula em que o professor divide os seus alunos em turmas A,B,C, classificando-as em Boa, Média e Fraca, aparece a visão maniqueísta e fixista. Toda avaliação classificatória é produto dessa concepção. Inadmissível nessa prática é que ela considera os grupos como fixos e inalteráveis. Por isso, já na metade do ano letivo , o professor sabe que alunos serão promovidos e quais serão retidos no final do ano.Hoje, em virtude do desenvolvimento científico e das rápidas transformações por que passa o mundo, essa visão está superada teoricamente. No entanto a educação, sempre retrógrada e a serviço das ideologias conservadoras, faz com que os professores se mantenham na visão fixista.Visão transformista É a visão de movimento;o universo todo está em movimento. Não há somente movimentos físicos, mas também, o que é mais importante, o movimento evolucionista e dialético.”Numa palavra, todo o universo, nos níveis micro e macro, está em movimento. Se ele está em movimento, está se constituindo, isto é, construindo.” (Becker, “O que é construtivismo?”, in Idéias, n.20, p. 87.). A sucessão da vida de todas as espécies vegetais e animais, através dos períodos e gerações, comprova que o movimento não atinge apenas os elementos chamados inanimados, mas também o cerne da vida. Além de sofrerem mudanças embrionárias, alguns seres vivos se transformam por metamorfose, como os insetos e os anfíbios, ou por mutações genéticas. No setor orgânico há as transformações químicas. É movimento evolutivo e também dialético. Os aspectos mais notáveis para a visão transformista são as mudanças qualitativas; as transformações não se fazem apenas por acréscimos de quantidades, mas também por saltos de qualidade.Escola Nova Surgiu de um movimento iniciado na Inglaterra em fins do século XIX e se espalhou por toda Europa e EUA, tendo chegado ao Brasil na década de 1920. Há vários tipos de escola nova, mas todos se baseiam na noção de que não há uma essência humana determinada desde o nascimento; ela se faz durante a existência.O ser humano é mutável, incompleto desde o nascimento e continua inacabado até a morte. Assim, a educação segue o ritmo da vida, que varia de pessoa para pessoa, pois é determinado pela existência. A escola nova foi a primeira a reconhecer as diferenças individuais; conseqüentemente, advogou um currículo individual. Ninguém é dono da verdade; não existe mais a autoridade do magister dixit.As características da escola nova foram definidas em oposição às da escola tradicional . Em um ponto, no entanto, não há diferença: ambas se declaram politicamente neutras.A escola nova deu uma contribuição inquestionável à história da pedagogia: a invenção de vários métodos e técnicas de ensino que, devidamente desmistificados, são instrumentos úteis até para o construtivismo.Tecnicismo Existe uma razão que, passando pelo mercantilismo e pelo liberalismo , norteou a formação do capitalismo no mundo: a razão instrumental, caracterizada pela dominação e exploração da natureza e dos seres humanos.Essa razão, também conhecida como técnico-científica, se fortaleceu com o positivismo e fez das ciências e das técnicas um meio de libertação dos seres humanos, mas instrumento de intimidação, medo e desespero. É o tecnicismo.A razão técnica, por atingir a essência dos fatos científicos, está acima da política e dos partidos, por isso o tecnicismo se considera “puro” e “neutro” politicamente. Objetiva a eficiência a qualquer custo, mas, sob a fachada da eficiência, pretende perpetuar a sua ação. Planejar para ter domínio e controle, eis o lema do tecnicismo. A razão instrumental deve ditar o rumo certo do presente, planejando o futuro com a máxima segurança. O planejamento garante o domínio. O tecnicismo é autoritário e antidemocrático. O que vale é a decisão técnica dos que sabem, isto é, dos tecnocratas. Para o tecnicismo, a voz do povo não é a verdade, por isso a participação popular é desnecessária. Do ponto de vista pedagógico, tanto o movimento das escolas novas como o do tecnicismo apresentaram doutrinas aparentemente favoráveis à democratização do ensino, mas se revelaram inoperantes, pois não era esse o seu objetivo. O discurso era apenas um disfarce.Escola Tecnicista Nasceu e se fortaleceu na ausência da escola nova que foi se afastando do cenário pedagógico pelo próprio fracasso. Fruto do positivismo e do tecnicismo ainda muito atuante, essa escola é a imagem da razão instrumental e a versão moderna da escola tradicional. É essecialista e conservadora: a mudança social não faz parte dos seus propósitos. Para ela a essência das coisas é alcançada pela razão técnico-científica. Assim, o que vale é a decisão técnica dos que sabem: na escola, (os professores). Na medida em que é tecnicista, é burocrática e antidemocrática. O seu compromisso é com a eficiência – econômica, sobretudo – e não com os alunos. Considera-se politicamente neutra. Baseada na teoria de aprendizagem S-R, vê o aluno como o depositário dos conhecimentos que devem ser acumulados na mente através das associações.As tecnologias de ensino, baseadas nas teorias de aprendizagem S-R (empirismo-associacionismo), considerando que o ensino é questão apenas de estimulação externa, assumiram uma postura autoritária de controlar as reações e os conhecimentos dos alunos.Para o construtivismo, a democratização do ensino é a razão principal, sem disfarces. A aplicação do construtivismo sócio-histórico à educação é uma práxis social das camadas progressistas que leva à transformação da sociedade. No entanto, a grande maioria das práticas pedagógicas tem uma visão fixista e maniqueísta do mundo.A oposição visão fixista versus visão transformista não deve reproduzir o dualismo no construtivismo, que é dialético e supõe uma visão de totalidade integradora. É movimento de mudança e transformação. Por ser dialético (valorizar a argumentação, o diálogo dos opostos), supera conflitos e desequilíbrios, para atingir níveis estruturais qualitativamente superiores.O segundo capítulo, Postura Política, mostra-nos que após a segunda metade do século vinte há um despertar da consciência cívica de populações inteiras sobre os direitos individuais e os deveres e obrigações do estado, em muitas partes do mundo, e que a mobilização das massas é o efeito mais visível do despertar de sua consciência. As redes de ensino tiveram de se ampliar para atender às reivindicações das massas, mas a simples expansão das escolas existentes trouxe à tona sua inadequação às massas populares. Talvez a maior das inadequações seja a postura e o compromisso político das pedagogias que norteavam as escolas até então, a tradicional e a escola-novista (pedagogias fixistas e essencialistas) que, em nome da “neutralidade”, escondiam o compromisso inabalável com as elites e com a não-transformação social.Diante dos fatos, a transformação das escolas é um imperativo; a reforma deve atingir os aspectos da direção, da administração do material e do pessoal, dos conteúdos escolares (currículo), da didática e das organizações dos horários, da semestralidade ou da anuidade, do calendário escolar, das normas e disciplina, da sistemática de avaliação... E a mudança mais necessária é a da postura e compromisso políticos . É preciso, a todo custo, passar da falsa “neutralidade” das pedagogias tradicional e escola-novista para uma postura comprometida com a massa da população que chega às escolas.Historicamente, num primeiro momento, as massas no Brasil estavam mais motivadas a se livrar das oligarquias rurais, se estabelecer na área urbana e se firmar no trabalho do que para reivindicar escolas.Somente após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e principalmente a partir da década de 1950, é que as populações começaram a reivindicar as escolas acadêmicas - ginásios e colégios- as únicas que permitiam acesso às universidades. A partir de grandes centros, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Porto Alegre, os movimentos populares expandiram-se para todo o país, até culminarem, na década de 1970, na explosão da consciência cívica pelos direitos individuais e pelas obrigações do Estado. A expansão das redes de ensino tomou vulto nunca antes verificado. Mas, por ironia do destino, as escolas oferecidas ao povo foram aquelas que já existiam e que eram adequadas à clientela das camadas médias e altas, sem nenhuma adaptação à nova clientela. No início, as massas não entendiam o “cavalo de Tróia” que tinham recebido e, diante da “expulsão” dos seus filhos, na forma legal de “evasão e repetência”, muitos pais até concordavam que “os filhos de pobres não aprendem” e aceitavam as repetências e evasões que, aliás, achavam bem vindas pois podiam colocar os filhos no trabalho para ajudar no orçamento familiar.Na verdade o povo, nas escolas, estava implodindo a política social e os sistemas de ensino existentes. Esses instrumentos burocráticos, que serviam apenas aos interesses dos detentores do poder e dos privilégios deste país, são armações que não se adequavam ao modo de ser das massas populares.A política que essas escolas seguiam não apresentava nenhum compromisso com aqueles que superlotavam as escolas e é a partir dessa falta de compromisso que deve ser interpretado e entendido o fracasso das escolas com a sua nova clientela.O construtivismo sócio-histórico, que se constitui e toma vulto depois do fracasso das escolas, não tem como fugir do desafio da reforma escolar sob bases renovadas para atender à nova A didática, pela qual se faz a aplicação do construtivismo ao ensino, não considera apenas a dimensão técnica, mas também a humana (ou social) e, principalmente, a política.Seu compromisso político é com a formação do cidadão, medindo a qualidade do ensino, público ou privado, pela qualidade do cidadão que cada escola formar.Por cidadão deve-se entender o indivíduo independentemente de raça, credo, princípios filosóficos e políticos, origem social e econômica. A cidadania é um direito inalienável da pessoa humana mas, para conquistá-la, as massas populares precisam lutar contra todos os tipos imagináveis de barreiras: econômicas, materiais e também simbólicas, como linguagem, mitos, superstições, crendices. Muitas vezes as barreiras simbólicas são as que mais amarram as pessoas, porque agem no imaginário delas.Compromisso político: o compromisso do construtivismo é com o povo, porque ele é o novo conteúdo das escolas; com a democratização do saber na sua totalidade, pois o conhecimento é herança da humanidade, direito de todos.Para o construtivismo, escola deve ser contra o empobrecimento do currículo e a mutilação dos conhecimentos sob qualquer pretexto.A prática pedagógica construtivista para ser aceita por uma escola e ter sucesso dependerá da existência dos três modos básicos de evolução do processo civilizatório na própria comunidade: 1- invenções e descobertas (criatividade interna, capacidade do próprio grupo de inventar e descobrir; é o fato do desenvolvimento interno); 2- difusão (o grupo ou a comunidade não existem isolados, mas em permanente interação uns com os outros, expostos a fatores externos; a difusão é responsável pela introdução de novos traços culturais); 3- aculturação (que também pode ser chamada de compulsão social aculturativa, é a incorporação das mudanças pela comunidade).Desmistificação da postura tradicional é imprescindível para a escola desempenhar a função social de transformação no processo civilizatório, eliminando, entre outras coisas, mitos e preconceitos, tanto da escola quanto da comunidade. Esses mitos são racionalizações para justificar a atitude discriminatória da escola contra os alunos de origem humilde (ou contra os que não aprendem).Como o ser humano é ser de significações, os atos, mesmo errados, tendem a permanecer, desde que encontrem alguma justificação ou racionalização. As atitudes discriminadoras da escola e dos professores são mantidas graças a um ou vários mitos, como: o mito do mérito ou a pedagogia dos dons, o mito da carência cultural e principalmente carência verbal, o de que “nem toda criança é capaz de aprender”, o da subnutrição.O capítulo três identifica alguns dos mal-entendidos que cercam o construtivismo. Tendo em vista que eles são fruto da superficialidade em que se mantêm muitos educadores, há que se ir fundo no assunto, “a fim de saborear o néctar que jorra das fontes”.Pressupostos Filosóficos. O construtivismo nasceu da síntese genial feita por Kant de duas correntes filosóficas opostas; o racionalismo e o empirismo. Para o primeiro, o conhecimento já está na razão, bastando ser explicitado; para o segundo, o conhecimento vem de fora, do objeto (estímulo), pela experiência. Kant cria o interacionismo, para o qual o conhecimento não vem só do objeto, mas pela óptica da interação sujeito-objeto.Definição do construtivismo. O construtivismo é mudança de visão: não considera o conhecimento só pelo prisma do sujeito nem só pelo prisma do objeto, mas pela óptica da interação sujeito-objeto. Assim, ensaia-se definir o construtivismo como uma teoria do conhecimento que engloba numa só estrutura dois pólos, o sujeito histórico e o objeto cultural, com interação recíproca, ultrapassando dialeticamente e sem cessar as construções já acabadas para satisfazer as lacunas ou carências (necessidades).
O capítulo quatro, Psicogênese, inicia estudando a visão transformista e relacionista do construtivismo, movimento enraizado na mudança e que, por ser uma estrutura bipolar, na qual não há separação entre sujeito e objeto do conhecimento, promove a interação aluno- matéria de aprendizagem, num ambiente de autonomia e reciprocidade social, isto é, num ambiente democrático e de dialogicidade. Por isso, precisa revelar sua natureza psicogenética, histórica e mediadora; só assim poderemos ter melhor compreensão dessa corrente em oposição ao associacionismo mecanicista e ao pré- conformismo espontaneísta.A psicogênese era objeto de estudo do construtivismo como ciência e, agora, como psicogênese das diversas ciências ou conhecimentos, é conteúdo do construtivismo aplicado ao ensino.A prática pedagógica construtivista há de ser psicogenética. Uma prática que não promova a gênese ou construção de conhecimento nunca será construtivista. Esclarecendo; se o conhecimento não é inato, isto é, se o ser humano não nasce sabendo nem nasce com idéias inatas, se o conhecimento também não é colocado de fora para dentro, como se a mente captasse tal e qual cada objeto externo e fosse armazenando conhecimentos, então o conhecimento é construído, no autêntico sentido de que é elaborado de acordo com o nível de desenvolvimento e dos esquemas que o indivíduo possui. Isso é a psicogênese. (estudo da origem da mente e dos conhecimentos. De um lado, é a gênese da psique humana – das representações mentais, da memória e do pensamento e, de outro, a gênese dos conhecimentos – de todo e qualquer conhecimento). Atualmente a psicogênese da alfabetização é a mais conhecida.O interacionismo nem sempre é psicogenético. O próprio Kant formulou o seu interacionismo fundamentando-se somente no pensamento adulto. O construtivismo, além de ser interacionista, é fundamentalmente genético. A mente e todas as suas categorias são genéticas, isto é, têm origem. O ser humano não nasce com a mente, nem com o pensamento e, muito menos, com os conhecimentos. São as faculdades do pensamento, da memória, da representação mental e dos conhecimentos que nascem no homem. A psicogênese é evolucionista; é um ramo do evolucionismo; as categorias mentais ou as estruturas vão surgindo e se desenvolvendo.Em vez de “categorias mentais” (Kant) e de “funções psicológicas superiores” (Vygotsky), Piaget chama deestruturas mentais ou estruturas variáveis as noções do pensamento que têm origem e desenvolvimento. A primeira estrutura é o “esquema do objeto”- representações ou imagens mentais de objetos e movimentos – e depois, a partir de 6-7 anos, aparecem as estruturas lógico-elementares e lógico-formais, até atingir o pensamento adulto. Psicogênese estuda a maneira como nasce e se desenvolve o conhecimento no ser humano. Esse desenvolvimento não tem fim na vida de cada pessoa.”O sistema das estruturas mentais e de conhecimento não é comparável a uma pirâmide, mas o é a uma espiral que se amplia infinitamente em altura.” (Piaget, A epistemologia genética,p.75).“As estruturas mentais ao mesmo tempo que têm uma gênese, isto é, que se constroem no tempo, chegam a um estado de equilíbrio perfeito, alcançando as características intemporais das estruturas lógico-matemáticas, ou seja, universidade e necessidade.” (Ramozzi-Chiarottino, Piaget: modelo e estrutura, p.77).A psicogênese, portanto, está no coração do construtivismo, e a prática pedagógica que se julgue construtivista nunca poderá desprezar estes dois aspectos: a aprendizagem, em qualquer idade, é sempre construída e, na escola, o aluno só aprende verdadeiramente quando constrói conhecimentos. O construtivismo é sinônimo de valorização dos conteúdos, pois se há construção na escola é sempre construção de conhecimentos.A origem dos conhecimentos, ou a psicogênese, se dá sempre relacionando a “matéria” do objeto com a “forma”do sujeito. Conhecer é dar forma a uma matéria pela interação. Parte do conhecimento vem do objeto, isto é, da experiência, e parte vem do sujeito, da sua invenção reflexiva. A ampliação dos conhecimentos sobre os objetos pode ser assim descrita: o aluno, levando em conta o seu nível de desenvolvimento e suas estruturas de conhecimento, tem idéias prévias ou hipóteses conceituais a respeito da “matéria” do objeto de conhecimento. Interagindo com a matéria, passa a assimilá-la de acordo com essas idéias ou hipóteses. Entretanto a matéria, como tem seu próprio conteúdo, oferece resistência ao aluno, isto é, pode não ser assimilável conforme as idéias ou hipóteses que o aluno formulou. Conseqüentemente, ele precisa alterar suas idéias provocando mudanças.Na formação social da mente, Jiron Matui diz que a gênese da mente e dos pensamentos é assunto que está no centro das discordâncias racionalistas e empiristas. O construtivismo é, antes de tudo, gênese da mente e dos pensamentos. No construtivismo, mesmo o de Piaget, a mente é de formação histórica. Partindo do período de adualismo, isto é, uma globalidade de percepção ou não-percepção dos objetos distintos, passando pela gênese das atividades e dos afetos,chega-se à percepção e à consciência de si (sujeito) e do outro (objeto) pela internalização de percepções, movimentos e sentimentos.A noção do organismo, em Piaget e em outros interacionistas, tem um sentido novo, isto é, ela pressupõe o meio. No que se refere às estruturas mentais e à estrutura da personalidade, o orgânico já pressupõe o meio e o meio já está presente no orgânico.A idéia de que o orgânico pressupõe o meio coincide com o que diz Wallon: “O indivíduo, se se compreende como tal, é essencialmente social. É-o, não na seqüência de contingências exteriores, mas na seqüência de uma necessidade íntima. É-o geneticamente.”( Psicologia e educação da criança, p.156). O indivíduo pressupõe o meio, no sentido de queo meio é indispensável para a própria construção do sujeito. No entanto a criança não nasce com a mente ou com o pensamento. No início da vida, no período que Piaget chamou de adualista, a criança não faz nenhuma idéia do mundo ou das coisas particulares ou independentes. “O universo primitivo é, durante os primeiros meses da existência, um universo sem objetos, formado de quadros que aparecem e desaparecem por reabsorção”. A mente e o pensamento, simplesmente, ainda não surgiram.Logicamente, os movimentos antecedem à formação da mente. É Wallon quem dá notáveis contribuições sobre a psicogênese da motricidade.Ao nascer, a criança já é uma significação no universo de significações (Vygotsky). Wallon deixa bem claro que essa significação é emocional e afetiva. A emoção é o primeiro e mais poderoso instrumento de sobrevivência da espécie humana. “A razão nasce da emoção.”Assim, tanto a psicogênese da motricidade como a das emoções ou afetos desembocam na psicogênese da razão humana.A historicidade do sujeito é a base do construtivismo sócio-histórico. A mente e o conhecimento têm formação social. Portanto conclui-se que o sujeito humano também tenha origem social e histórica.Wallon e Piaget não deixaram de ter concepção histórica da formação do homem, mas o construtivismo deve a Vygotsky a visão da historicidade profunda do ser humano. Baseando seu método e sua teoria no materialismo histórico de Marx, definiu como objeto de estudo da sua psicologia instrumental: reconstruir a história da mudança quantitativa e qualitativa da passagem (movimento) das funções psicológicas elementares – reflexo, motricidade, percepção, afeto – para as funções psicológicas superiores – memória, pensamento, atenção, linguagem – pelo processo de internalização, passando por gestos e imitações.A historicidade do sujeito consiste em que cada indivíduo é síntese das relações existentes e da história dessas relações; é o resumo de todo o passado. A realidade material (econômica) e social e a sua história “determinam” não só a consciência, mas todo o ser humano. O sujeito e o seu pensamento são reflexos das múltiplas relações existentes na realidade material. O sujeito é sujeito na medida em que é sujeito histórico. É histórico na medida em que “traduz” sua organização biológica pelas ações próprias da cultura na qual vive. Essa é a condição do sujeito humano e do sujeito epistêmico (Epistemologia: teoria do conhecimento; estudo crítico do conhecimento científico em seus vários ramos) em particular. É por isso que soa estranho quando determinadas pessoas afirmam que Piaget não levou em conta o social.(A epistemologia do professor, p.17).Muito importante para a educação é que essa poderosa influência do meio, da realidade material e histórica, não é um determinismo implacável e unidimensional, pois o homem, que é produto da história, é também autor e sujeito. Na verdade, “é o homem que se autoproduz ao produzir a realidade na qual vive” (Wachowicz, O método dialético na educação, p.36).O ser humano é o único animal que, além de usar instrumentos materiais – as mãos, uma vara, ferramentas e máquinas – usa também a imaginação, o pensamento e a fala para dominar e manipular a realidade física e social. O homem é o único animal que projeta alguma coisa e a realiza, tendo como resultado a transformação da realidade. A história é a história dessa mudança. A realidade que faz o homem é alterada pela atividade humana. Conseqüentemente essa nova realidade, com a sua estrutura peculiar, passa a produzir um novo tipo de pessoa. Wachowicz diz que a concepção dialética, ao colocar a produção da realidade no homem e, principalmente, ao dizer que o homem produz a si mesmo na ação que exerce sobre a realidade, eleva a educação, bem como todas as práticas sociais a uma estrutura de prioridade no pensamento filosófico.A mediação e a sua natureza geradora de conhecimentos. Todo objeto do conhecimento é objeto cultural e aparece na teia de relações sociais por mediação de símbolos e signos/palavras. A idéia de mediação é a contribuição genial de Vygotsky: é a ação que se interpõe entre o sujeito e o objeto de aprendizagem. A função da palavra é fundamental.No capítulo cinco, A dialogicidade e o método clínico-crítico, Jiron Matui ressalta a importância do clima democrático na prática construtivista e coloca que o objeto de conhecimento desvela-se na teia de relações sociais. A criança constrói o conhecimento mais pela mediação da sociedade, através dos signos/palavras, do que na relação direta com os objetos. O diálogo se realiza em determinadas condições:
1- na situação em que o sujeito/aluno dialoga com o mundo;
2- na situação de mediação social e simbólica;
3- na situação de clima de liberdade e cooperação.
O interrogatório clínico é proposto com base no método clínico-crítico de Piaget, porque o diálogo não é qualquer diálogo, mas aquele que consiste em;- conversar com a criança ou o adolescente para identificar o seu pensamento e acompanhá-lo; - manter a conversa no terreno fértil de construção de conhecimentos, para pensar as hipóteses e nexos lógicos. A segunda parte da obra, Competência Técnica e construtivista, é composta pelos capítulos seis e sete, nos quais é ressaltado que a postura político-construtivista não é suficiente; é igualmente necessária a competência.No capítulo seis, Processo de construção: a aprendizagem, Jiron Matui começa a tratar dos assuntos que estão no cerne do construtivismo: a aprendizagem e o desenvolvimento; o processo de construção e o conhecimento, e visam fornecer elementos para a construção da competência técnica do professor. A eficiência é um dos princípios da didática fundamental.Tendo como pano de fundo um prazer que é natural no ser humano, o de dar significação ao mundo e às coisas, o capítulo tratou sucessivamente dos elementos do construtivismo para a construção da competência técnica: Variáveis que o professor deve trabalhar. Na equilibraçaõ/maturação, o professor deve trabalhar as equilibrações por coordenação, regulação e compensação. Na experiência/transmissão cultural, além do ambiente e da classe como palco da experiência dialógica dos alunos, é necessário aprimorar os sentidos e a observação, fazer uso dos amplificadores culturais e desenvolver as atividades de estudo.-Assimilação, acomodação e organização. Esses três processos têm igual importância na construção de conhecimentos e na avaliação escolar.- Da ação para a conceituação. Verdadeira versão do movimento dialético do pensamento, a passagem da ação para a conceituação é o esquema mais eficiente para a aplicação do construtivismo ao ensino; é também o meio para superar o mero ativismo em que permanece a prática pedagógica.Tratou da experiência/transmissão cultural, fatores exógenos , externos, trabalháveis. A experiência é o estabelecimento de relação do aluno com o objeto de aprendizagem. Vygotsky coloca a experiência no contexto sócio-histórico. A interação social é o palco onde ocorre a experiência do aluno com o objeto da aprendizagem. “O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa”. (Vygotsky, A formação social da mente, p. 33.) o professor deve sistematizar essa rica interação, relacionando os conteúdos de sua matéria com a prática social, na dialogicidade, pois a aprendizagem é provocada por situações externas.No construtivismo, é importante considerar que o aluno é um sujeito que está atribuindo sentidos e significados ao mundo e aos objetos que o cercam. E o significado que ele atribui está de acordo com a sua capacidade de assimilar o conteúdo. A criança não vê o mundo como ele é na realidade objetiva, mas como ela é. Assim, garantir o direito que a criança tem de formular hipóteses de acordo com as próprias idéias e testá-las é a função didática mais importante da prática construtivista. o compromisso com as crianças das classes populares leva o professor a não camuflar os conhecimentos nem subtraí-los dos alunos, garantindo ambiente de liberdade e autonomia, sem castigos por questões de erros e de inculcação de ideologias dominantes.O professor deve visar aprimorar os sentidos e a observação da criança, ensinando-o a fazer uso dos amplificadores culturais. Toda cultura consistiu em inventar amplificadores culturais: óculos, lunetas, telescópios, microscópios, máquinas de calcular, computadores para memorizar etc. Terezinha Carraher aplica esse conceito à educação e chama atenção para os sistemas simbólicos que funcionam como excelentes amplificadores culturais, tornando-se mediadores para novas e mais rápidas aprendizagens, apresentando como exemplos o sistema de numeração decimal (faz com que a criança ultrapasse os limites da sua memória) e a aprendizagem da leitura e escrita (amplia os limites da fala e da função simbólica).A criança precisa ser instrumentalizada para aumentar a sua capacidade de aprender. Nesse sentido as atividades de estudo consistem em: saber fazer perguntas e entrevistas; consultar dicionários, enciclopédias, bibliotecas; visitar museus, exposições, monumentos históricos; fazer fichas de leituras, de assuntos e de livros; fazer anotações; fazer pesquisas e experiências etc.O pensamento se movimenta em espiral, da ação sensório-motora para a reflexão conceitual: o material tomado do plano A (conhecimento físico) é reconstruído no plano B (conhecimentos lógico-matemáticos e social-arbitrários). Das atividades interpessoais do primeiro patamar de conhecimentos chega-se às atividades intrapessoais do segundo patamar. Segundo Vygotsky, as atividades intrapessoais obedecem às seguintes etapas:
• uma operação que, no início, era executada no plano da prática social juntamente com indivíduos em situação de dialogicidade, é internalizada ou começa a ocorrer internamente e é reconstruída em nível mental;
• um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal; o que era executado em nível social entre pessoas (interpsicologicamente) passa a ser executado no interior da pessoa (isto é, intrapsicologicamente);
• essa passagem é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento da pessoa – não se faz num salto apenas. depende de várias funções psicológicas que passam por vários estágios, porque as funções externas se tornam gradualmente funções internas. Nesse patamar, a interação do sujeito com o objeto é realizada em nível operatório ou de metacognição. O material caótico do plano A é transportado ao plano B, onde se realiza a experiência lógico-matemática de Piaget e o discurso interior ou de “pensar as palavras”, de Vygotsky.
O capítulo sete trata de desenvolvimento e conhecimento como produto ou resultado da aprendizagem (processo de construção). O desenvolvimento da inteligência está ligado , na criança, ao desenvolvimento da sua personalidade total. (Wallon). O único bom ensino é o que adianta ao desenvolvimento. (Vygotsky).-Estrutura e desenvolvimento. O primeiro produto do processo de construção é certamente o desenvolvimento, que é condição para a aprendizagem: a cada novo desenvolvimento corresponde a possibilidade de novas aprendizagens.-Estrutura e procedimento. A estrutura define as possibilidades do sujeito. o procedimento define de que maneira ou por que meios o sujeito resolve uma situação. Um dos papéis do professor construtivista é identificar e acompanhar o pensamento do aluno mediante interrogatório. A estrutura é reconhecida pela maneira de identificar e interpretar um problema. As hipóteses e estratégias de solução servem não só para identificar como também para acompanhar o raciocínio.-Desenvolvimento das estruturas operatórias. No sentido construtivista, a aprendizagem não ocorre sem desenvolvimento, que é a construção da função simbólica, da estrutura mental e da própria personalidade. A aquisição das estruturas próprias de cada nível, fase ou período é que capacita o sujeito a novas e mais amplas aprendizagens. O desenvolvimento é a estrutura que oferece condição para um aluno fazer idéia de um problema e compreendê-lo. Este capítulo trata da gênese dos esquemas operatórios concretos e abstratos, na ordem de sucessão. Cada aquisição de estruturas operatórias capacita o sujeito para a aprendizagem de novos conteúdos.-Nível de desenvolvimento efetivo ou real. A aprendizagem deve ser coerente com o nível de desenvolvimento da criança e o ensino deve orientar-se com base no desenvolvimento já produzido, na etapa já superada, que Piaget identifica com o estado de amadurecimento das estruturas mentais.-Nível de desenvolvimento potencial. Vygotsky toma como ponto de partida a idade mental e quer saber até onde o aluno pode chegar. Encontra grande variabilidade entre as crianças.-ÁREA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL. “É a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob orientação de adulto ou em colaboração com os companheiros mais capazes”. (Vygotsky, A formação social da mente, p. 97). Compreende funções mentais ou operações mentais em amadurecimento. Na linguagem de Piaget, corresponderia às que estão no nível intermediário de desenvolvimento. São processos que estão em estado de formação, que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. A área de desenvolvimento proximal hoje é o estado dinâmico de desenvolvimento e será o desenvolvimento real amanhã. É o desenvolvimento mental prospectivo. “Uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento”. (Vygotsky e outros, Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem, p.114 e 115) -Nível intermediário (ou área de desenvolvimento proximal) caracteriza-se por apresentar novos traços ou funções próprias do nível posterior (nível de desenvolvimento potencial), mas ainda conserva as características ou funções do nível anterior (nível de desenvolvimento real). Os novos traços são construídos pela assimilação e acomodação. Os velhos traços são superados à medida que a criança toma consciência das contradições ou conflitos. Na passagem do período pré-operatório para o operatório (concreto), a noção de reversibilidade proporciona a compreensão das contradições lógicas das estruturas anteriores pré-operatórias ou mágicas. A psicogênese da alfabetização é um tratado sobre as hipóteses cognitivas e os conflitos presentes nos níveis intermediários do processo de construção da escrita e da leitura pela criança. O nível silábico-alfabético é exemplo típico: já apresenta as características do nível alfabético (sílabas de consoantes e vogais), mas ainda conserva as características da escrita silábica (uma letra para cada som). a passagem se completa pela tomada de consciência, principalmente em situações de grupo ou nas atividades interindividuais, em que o outro desempenha um papel mediador fundamental.-“Esquema é aquilo que é generalizável numa determinada ação” (Piaget). É a estrutura sensório-motora e operatória pela qual o sujeito se adapta ao meio e o organiza. É uma estrutura variável que se adapta e se modifica com o desenvolvimento. Na qualidade de mediadores, os esquemas são as pequenas estruturas ou unidades celulares de respostas que permitem generalizar uma determinada ação. Pelo esquema de ver, a criança assimila o mundo, as cores, os movimentos.Desde o início do desenvolvimento, a criança apresenta um certo número de esquemas. Diante de um objeto novo, ela tenta assimilá-lo a determinado esquema que possui.-Três tipos de conhecimento. Produto do processo de construção, o conhecimento propriamente dito pode ser, de acordo com Piaget, de três tipos. A prática pedagógica no Brasil deixa muito a desejar porque ainda não equacionou esses três tipos de conhecimento. Esse é um aspecto das contribuições de Piaget pouco divulgado em nosso meio.
• Conhecimentos físicos – construídos pela experiência física, são características descobertas pelo aluno no objeto da aprendizagem.
• Conhecimentos lógico-matemáticos – construídos pela reflexão lógico-matemática ou metacognitiva, são conhecimentos dos nexos lógicos e explicativos.
• Conhecimentos social-arbitrários – construídos na interação social, são transmitidos por outros e constituem-se das convenções sociais: valores, costumes, leis, artes etc.
A formação de conceitos é fundamental em qualquer teoria de conhecimento. No construtivismo, tanto o desenvolvimento como a aprendizagem expressam-se por conceitos:
• A formação das representações mentais;
• A formação dos conceitos espontâneos e dos científicos.
A terceira parte da obra, Integração do construtivismo, é composta pelos capítulos oito,nove e dez, que ratam do interacionismo, da dialética e da didática fundamental como fatores de integração do construtivismo.O capítulo oito inicia com um conceito de razão dialética de Wachowicz: a lógica da totalidade é que conduz o pensamento ao conceito da razão, que se interpõe nas contradições e as supera. Continua, dizendo que o sistema de ensino vive atualmente momento de indefinição, ou seja, trata-se de uma situação de falta de identidade e de confusão, apresentando uma situação de superficialidade, muita divisão e extremismos. O pensamento e as decisões são norteados pelo princípio de ou isto ou aquilo e não de isto e aquilo. O pensamento é exclusivista; o que comanda é a divisão dicotômica e maniqueísta do mundo e dos objetos., sendo que as maiores divisões se encontram entre teoria e prática, técnico e político, planejamento e execução etc. Tudo é compartimentado ou atomizado.Essa tendência de dividir e separar atinge também o construtivismo. Há defensores ferrenhos das contribuições de Vygotsky, chamadas de sócio-construtivistas, que se opõem às contribuições de Piaget, chamadas de construtivistas. Umas e outras são tratadas como se nada tivessem entre si, como se fossem correntes distintas e inconfundíveis. Isso acaba por levar a distorções na prática pedagógica.Para avançar na teoria e na prática e ser um corpo teórico capaz de contribuir positivamente para o ensino, o próprio construtivismo precisa integrar as diferentes contribuições dos vários autores, uma vez que tal divisão é simples reflexo do pensamento de cunho maniqueísta e essencialista. Não faz parte da característica do construtivismo, que é interacionista, sistema epistemológico que admite que o conhecimento não provém só dos objetos externos nem só do sujeito (da razão interna), mas da interação entre o sujeito e o objeto. Piaget, Vygotsky e Wallon sãointeracionistas. e seus ensinamentos se integram.Interacionismo como integração. O interacionismo é uma grande base para a integração de Piaget, Vygotsky e Wallon, pois os três concordam que o desenvolvimento e a aprendizagem não são resultantes só dos estímulos externos (objetos), nem só da produção da razão (sujeito), mas fruto da interação dos dois, sujeito e objeto. No interacionismo cada um dos pólos – sujeito e objeto – entra com a sua parte: o sujeito entra com a ”forma” de pensamento e o objeto, com o “conteúdo” da matéria. A síntese da ação dos dois é que produz, por construção, tanto a mente quanto o conhecimento.A lógica dialética como critério de integração. São dialéticos esses três autores que dão base para a formulação do construtivismo sócio-histórico. O modo dialético de pensar, como diz Antonio Severino, compreende a realidade e o conhecimento de maneira radicalmente histórica. A própria realidade é constituída pelo processo histórico, resultante, a cada momento, de várias determinações e submetido a um movimento provocado por forças contraditórias. O cerne e a razão de tudo isso é o movimento, que produz contínua transformação e mudança incessante, mas também é provocado; a força que o desencadeia é a contradição. Cada ser tem seu contrário, a sua negação, e esse conflito é que provoca o movimento. “Por isso todas elas (as coisas) são atravessadas por um conflito interno, que as obriga a mudar, passando sempre por um momento de afirmação, por um momento de superação, cada um deles se posicionando em relação ao seu anterior. É a famosa concepção da tríade dialética: a tese, a antítese e a síntese.” (Severino,Filosofia, p.135.)A dialética, através de suas cinco leis: 1- Lei da interação universal; 2- Lei do movimento universal; 3- Lei da unidade dos contrários; 4- Lei da transformação da quantidade em qualidade; 5- Lei do desenvolvimento em espiral (da superação ou da negação), possibilita a integração dos construtivistas, o que favorece a formulação de uma teoria passível de ser aplicada à educação.O capítulo nove: Didática fundamental: integração do construtivismoA didática trata da questão do método no que concerne ao campo específico do ensino e ao nível específico do saber. Vale dizer, não da ciência enquanto investigação e exposição, mas do saber enquanto ação que se apropria do conhecimento acumulado. (Wachowicz)Não sendo teoria nem método pedagógico, o construtivismo não se aplica diretamente ao ensino; então, essa aplicação só pode se dar pela mediação de uma pedagogia que vai alinhar e integrar diferentes contribuições. Assim, ao lado da teoria interacionista de construção dos conhecimentos e da dialética, a pedagogia é tomada como critério de integração do construtivismo e da didática fundamental, segundo a qual, como fenômeno social, o ensino não se enquadra na dimensão técnica apenas.nessa linha de pensamento, a didática instrumental, que privilegiava apenas a dimensão técnica, nunca conseguiu êxito definitivo pelas próprias limitações.A revisão da didática instrumental, incluindo a didática de Comênio, está ensejando o aparecimento de uma nova didática, a didática fundamental, que apresenta características mais abrangentes que a didática instrumental e tradicional, com as seguintes características: - situada no tempo e no espaço, contextualizada, comprometida com a libertação e com a transformação social; historicizada; multidimensional: humana, técnica e político-social; considera as pesquisas e a realidade do aluno; coloca-se no papel mediador de conhecimentos; desmitifica-se ou desideologiza métodos e técnicas de ensino, questionando “como fazer”, “por que fazer”, “a quem serve”, “qual a intenção”, entendendo que a preocupação com a eficiência não deve ser vista como utilização de meios e técnicas sofisticadas. Pelo contrário, trata-se de partir das condições reais em que se desenvolve o ensino em nossas escolas e buscar formas de intervenção simples e viáveis.A didática fundamental baseia-se na razão crítica:”... a razão crítica é aquela que analisa e interpreta os limites e os perigos do pensamento instrumental e afirma que as mudanças sociais , políticas e culturais só se realizarão verdadeiramente se tiverem como finalidade a emancipação do gênero humano e não as idéias de controle e domínio técnico-científico sobre a natureza, a sociedade e a cultura.” (Marilena Chauí, Convite à Filosofia, p.50) Multidimensinoalidade do processo ensino-aprendizagem. Não cabe privilegiar apenas a dimensão técnica; é necessário considerar também as dimensões humana e político-social. A aquisição ou construção do conhecimento é um fenômeno humano extremamente complexo e multidimensional. Como diz Emilia Ferreiro, o sujeito que busca adquirir conhecimentos procura ativamente compreender o mundo que o rodeia, resolver as interrogações que ele provoca, aprender basicamente através de suas próprias ações sobre objetos, construir suas próprias estruturas mentais e organizar o seu mundo.A partir dessa característica, a alfabetização, por exemplo, está sendo focalizada do ponto de vista político-social, da psicogênese, da psicolingüística, da sociolingüística e da própria lingüística.Em suma, o construtivismo é uma construção científica; como tal, é nomotético, isto é, procura extrair leis explicativas dos fenômenos, sem se preocupar com a aplicação prática. Por isso não é certo e, na verdade, não é possível aplicar o construtivismo diretamente ao ensino. A pedagogia, ao contrário, é uma ciência normativa ou prescritiva, isto é, preocupada com a aplicação de uma determinada teoria ao ensino; ela se alimenta de outras teorias. Assim, para aplicar o construtivismo ao ensino, é necessário recorrer a uma pedagogia. O construtivismo é aberto e tem características multidimensionais, portanto não se enquadra nos limites da didática instrumental. Felizmente a crítica da didática instrumental está produzindo uma nova didática, a fundamental, que é aberta, crítica e multidimensional, com princípios e características que se afinam com o construtivismo.O capítulo dez tem por objetivo firmar algumas Idéias centrais do livro e mostra que a linha mestra do trabalho é a forma como se dá a construção histórica da mente e dos conhecimentos. O aluno é o sujeito da interação com o objeto de conhecimento, juntamente com outros sujeitos, em situação de dialogicidade. Ele vivencia a sua área de desenvolvimento proximal, assimila o mundo histórico por internalização e se acomoda a esse mundo para formar o seu universo de significação. Tudo começou com Piaget e seus estudos zoológicos,feitos com um tipo de caracol muito comum em Genebra, onde sua tese de doutoramento foi defendida, em 1818. Ele afirma que as duas formas do caracol se devem a um processo histórico de construção e fixação de estruturas genéticas que obedecem às leis de Mendel.A partir da idéia central de construção histórica da mente e dos conhecimentos, alinham-se os conceitos mais importantes do construtivismo.
Definição. O construtivismo:
• filosoficamente, é transformista e relacionista; não é fixista nem essencialista;
• epistemologicamente, é uma teoria interacionista e histórica de conhecimento; não é racionalista nem empirista
• psicologicamente, é uma teoria cognitivista que tem por objeto a psicogênese da inteligência e dos conhecimentos e, por método, o método clínico-crítico;
• politicamente, é um compromisso democrático e de transformação social.
Conteúdo- Incluem-se, como conteúdos do construtivismo, o processo de construção e o produto.
Processo de construção: a aprendizagem. O construtivismo tem um conteúdo dinâmico e dialético de funcionamento, o processo de construção, que Piaget chama de invariantes funcionais. São elas:
• interação sujeito-objeto numa estrutura única bipolar como fonte geradora de conhecimentos;
• equilibração como processo central;
• adaptação , assimilação/acomodação e organização;
• experiência e abstração – passagem da ação para a conceituação.
A quarta e última parte da obra é composta pelos capítulos onze a quinze e trata da aplicação do construtivismo sócio-histórico ao ensino.No capítulo Um procedimento didático-construtivista para um método construtivista, além da valorização do ambiente e do conteúdo curricular, há o resgate da figura do professor, que havia sido descaracterizada e esvaziada pelas pedagogias escola-novista e tecnicista. No construtivismo, seu papel é o de mediador de conhecimento.O ato de mediar pressupõe a existência de algo que está em processo. No construtivismo, o que está em processo é o pensamento que se movimenta da ação para a conceituação, de conceitos espontâneos para conceitos científicos; a mediação é o elo entre o aluno e a matéria, o que confirma o papel do professor.Qualquer que seja um futuro método construtivista, não fugirá muito do método clínico-crítico utilizado por Piaget e seus discípulos e que se baseia no interrogatório.Matui resume o procedimento didático-construtivista parafraseando Piaget: o bom professor construtivista é aquele que identifica o pensamento do aluno numa atividade e, em seguida, sabe acompanhar o percurso desse pensamento através do levantamento de hipóteses explicativas, testando-as mediante interrogatório.Tal procedimento apresenta perigos, como: o educador dominar a conversação, inibindo o educando; aceitar toda e qualquer resposta como válida ou o inverso:não aceitar nenhuma resposta.Como características do procedimento didático-construtivista são relacionadas
• valorização das atividades e ambientes nos quais ocorre o pensamento; -valor pedagógico dos erros e da avaliação;
• exercício de mediação e da intervenção do professor.
Concluindo o capítulo, um quadro sintetiza os cinco tipos de respostas identificados por Piaget
1- Não-importaquismo 2- Fabulação 3- Resposta sugerida 4- Resposta desencadeada e
5- Resposta espontânea, dos quais apenas os dois últimos contêm o que realmente pensa a criança ou o adolescente.
O capítulo: “O papel do professor”, em busca de coerência com a multidimensionalidade da didática fundamental, analisa o papel do professor a partir da consideração da criança não só como ser real mas integral, nas dimensões cognitiva, motora, emocional e de personalidade.O papel político-construtivista é o primeiro e o mais importante papel do professor, uma vez que , politicamente, o construtivismo sócio-histórico não se declara neutro nem puro, mas comprometido com a mudança social, com a formação do cidadão, considerando que o povo não conseguirá superar as inúmeras barreiras sem o envolvimento das escolas e dos professores em suas causas.A visão interacionista da construção da mente e do conhecimento é fundamental para o papel do professor comopromotor da interação aluno/objeto de conhecimento. O que o professor fizer – montagem do ambiente, atividades pedagógicas, intervenções mediadoras, questionamentos e conversações dialógicas-, se não resultar na interação do aluno com o objeto de aprendizagem e vice-versa, nada acontecerá de ação construtivista.A prática construtivista não é autoritária; não impinge conhecimentos de fora para dentro, por estimulação, mas parte do princípio de que o aluno constrói o conhecimento antes, durante e depois da escola. A escola, no entanto, propicia a construção de conceitos científicos, ou seja, favorece a passagem dos conceitos espontâneos da infância e do grupo social para os conceitos científicos e tecnológicos.O construtivismo também não é espontaneísta, pois a construção precisa ser provocada, numa prática provocadora e desafiadora.A escola lida com aprendizagem e esta é provocada. O papel do professor é encorajar o aluno através de atividades que lhe causem desequilíbrio ou o coloquem em ação., não só apresentando matéria e atividades, mas questionando, interrogando e fazendo o aluno pensar por comparação, seriação, classificação, causalidade, reversibilidade etc.Como mediador, papel que resgata sua figura, o professor é um elo entre o educando e a matéria de conhecimento, interferindo no processo sem desviá-lo nem desvirtuá-lo. A interação aluno-conteúdo é um diálogo aluno-mundo mediatizado pelo professor e outras pessoas. A mediação é um dos grandes conceitos de Vygotsky e foi elaborado no contexto sócio-histórico, portanto da crítica dialética.O professor é o representante do movimento de mudança social e das grandes aspirações da humanidade, refletidas na massa popular interessada em conhecer o “poder da verdade ”contra a “verdade do poder” e dos privilégios sociais. Simboliza a libertação do homem através da intermediação de conhecimentos científicos e tecnológicos para a efetivação do bem-estar social.A mediação se dá da seguinte forma: o objeto de aprendizagem, que sempre é cultural, faz o seu desvelamento na teia de relações sociais; através delas, o aluno entra em interação com o objeto de conhecimento, juntamente com os colegas e o professor. Além de tal mediação, também se destaca a mediação da palavra,- que indica ou mostra o objeto, quando ele está presente, nomeando-o e definindo-o; é a função lexical;- que substitui o objeto na sua ausência, desempenhando a função simbólica de representação, de “estar no lugar de...” O erro é fundamental na construção do conhecimento e a postura construtivista perante ele é uma de suas marcas distintivas. O construtivismo não comete a “insanidade pura” de não corrigi-lo, mas “separa o joio do trigo”; coloca-o numa posição de destaque, não para ser condenado, mas para ser utilizado como importante mediador de aprendizagem, pois ninguém aprende sem errar. A equilibração por regulação se faz por tentativas e erros. A equilibração por coordenação de esquemas ocorre justamente porque houve erros na tentativa de assimilar por meio de um único esquema. Igualmente, a equilibração por compensação se baseia nos erros e nas faltas.
No livro são analisados três critérios de distinção dos erros:
1- o aluno possui a estrutura para a correta compreensão do problema, mas escolhe erradamente um procedimento de solução. Exemplo: se uma criança que já está na hipótese alfabética e sabe ler e escrever retornar numa escrita silábica, o professor deve, mediante interrogatório, fazer com que ela tome consciência do erro cometido;
2- o aluno possui estrutura em construção para a tarefa específica e comete erro no procedimento de solução. Neste caso, o erro é construtivo. Como a criança não tem percepção completa do problema, só lhe resta proceder por tentativa e erro, fazendo correções em suas estratégias em função de êxitos e fracassos da ação efetivamente realizada. O erro é mediador da aprendizagem;
3- o aluno não possui estrutura necessária para a tarefa e, por isso, erra sistematicamente no procedimento. ”Este é o caso onde se depara com os limites da estrutura cognitiva, ou seja, com erros sistemáticos, dado que sem o entendimento da tarefa não há como selecionar procedimentos de ação adequados à realização da mesma . O professor não pode criar no aluno a estrutura que lhe falta, mas deve criar um ambiente propício ao diálogo, que desafie o aluno a justificar e demonstrar as razões pela quais adotou um dado padrão de ação. Portanto é função da escola levar o aluno a refletir sobre “os porquês e os comos da ação”(Lino de Macedo, citado por Davis e Espósito) Os erros, para o construtivismo, deixaram de ser só indício de uma dificuldade ou de uma incapacidade, passando a ser reveladores de uma lógica infantil irredutível à lógica adulta.“O erro é fecundo e positivo porque tem um lugar no mecanismo produtivo de conhecimento, (...) apresenta um papel construtivo na aquisição de conhecimentos” (Castorina,Psicologia genética, p.33) O interrogatório crítico é outro procedimento didático que vem se destacando como marca no construtivismo, definindo o papel do professor que, através dele, pode identificar e acompanhar as idéias e hipóteses dos alunos, auxiliando-os na passagem da ação para a conceituação.O professor construtivista é aquele que assume o papel de criador de atividades, passando pela reorganização do ambiente e de seus elementos e pela necessidade de contextualização social dessas atividades. O autor alerta para o perigo do ativismo, um dos grandes males do ensino nos últimos anos, quando há verdadeiro festival de atividades, novas ou reaproveitadas, pois, se as atividades não levarem ao trabalho operativo da reconstrução dos conhecimentos físicos no plano da reflexão e abstração, isto é, a metacognição, elas ficam só a meio caminho.Recomenda-se a catarse (purificação, purgação) de Gramsci na passagem da ação para a conceituação. É aquilo que as atividades devem propiciar. “O processo catártico coincide com a cadeia de sínteses que resultam do desenvolvimento dialético”. (Gramsci, Concepção dialética da história, p.53).No capítulo A aula construtivista, o autor trata de dois planos ou níveis da ação do professor:- as atividades e - a metacognição. Esses dois planos de ação docente correspondem aos dois planos do movimento do pensamento: “da ação para a conceituação”. As atividades correspondem à ação e buscarão o conhecimento físico mediante experiência e abstração físicas; a metacognição corresponde à conceituação e buscará não só a finalização dos conhecimentos, mas principalmente aquilo que Piaget chama de conhecimentos verdadeiros : as leis e explicações lógicas. Esses dois planos não são estanques, mas interpenetráveis e essencialmente reversíveis: o pensamento vai e volta de um plano para outro. Por isso é indispensável que o professor saiba “por onde começar”, “como desenvolver as atividades” e “como terminar”.Método da prática social de Saviani Dermeval Saviani, o grande iniciador e impulsionador do movimento histórico-crítico da educação no Brasil, formulou um método didático com a evidente intenção de superar os métodos tradicional e escola-novista. Chamado de método de prática social de Saviani, pode ser adotado pelo construtivismo sócio-histórico, que assim superaria a pecha de uma teoria sem método. Tal método possui cinco passos:
1º- início na prática social – perceber e denotar. A prática social, de onde parte o método, é tanto do aluno (a da sua comunidade: o modo de encarar a vida, os problemas e o conhecimento), quanto do professor (a da sua classe social e a do cotidiano da escola, que lhe oferecem uma síntese precária de compreensão do aluno e seus conhecimentos) Saviani diz que o aluno traz um “saber sincrético”, do senso comum e sem nexos lógicos, e o professor um saber de “síntese precária” Lilian Wachowicz entende que o papel de iniciar com a prática social consiste em “perceber e denotar”, isto é, identificar o objeto da aprendizagem e lhe dar significação;
2º- problematização – intuir e conotar. Ligados a sentir as tendências ou direções da comunidade, prevendo futuros problemas e emitindo juízos de valor ou de qualidade.;
3º- instrumentalização – apropriar. Favorecer a apropriação, pelos alunos, do saber colocado pela escola.; apropriação do patrimônio cultural pelo aluno. Para superar o senso comum e resolver as contradições postas pela prática social, o aluno deve se instrumentalizar com novos conhecimentos e técnicas;
4º- catarse – “raciocinar e criticar”, significando passagem da ação para a conceituação. É o passo de maior transformação do próprio pensamento e dos conhecimentos, quando se realiza a atividade metacognitiva de “pensar a palavra” ou de promover o “discurso interior” e, com isso, a construção (reconstrução) do conhecimento no pensamento e pelo pensamento. A catarse implica a passagem; - do puramente econômico para o ético-político; - do “abstrato” para o “concreto”; - da necessidade para a liberdade; - do inconsciente para o consciente;
5º- retorno à prática social- transformar. Não é simples aplicação, como na pedagogia tradicional, nem comprovação pela experimentação, como na pedagogia da escola-nova, mas retorno à prática social da comunidade ou do grupo a que o aluno pertence. E ele retorna, não com o saber “sincrético”, caótico e confuso, mas com um saber “concreto”, pensado, constituído de relações múltiplas e determinações complexas.A aula construtivista compreende dois planos ou níveis de ação do professor: as atividades e a metacognição, tendo o movimento dialético do pensamento como modelo. Para saber por onde começar, como desenvolver e como terminar, foram tomados os passos do método de prática social de Saviani, assim distribuídos:
Atividades:
• partir da prática social;
• problematizar;
• instrumentalizar.
• metacognição: - catarse;
• retorno à prática social. (ex:p.203).
A alfabetização- A aprendizagem da leitura e da escrita não começa nem termina no primeiro ano escola: começou antes de as crianças ingressarem na escola primária e irá continuar nos anos posteriores. (Kaufman). Processo multidimensional, complexo, a alfabetização tem sido vítima de abordagens simplistas e formalistas da didática instrumental, o que tem trazido frustrações aos professores brasileiros.A criança constrói uma série de esquemas conceituais que não podem ser atribuídas à influência do meio. São idéias próprias que ela testa e se refletem no nível das operações mentais. Enfim, é na cabeça da criança que se dá a alfabetização.Jussara Hoffmann diz ser necessário, numa produção de texto, que o professor dê um retorno do desempenho do aluno e o coloque em relação direta com aspectos pertinentes, para que não haja uso reincidente de expressões inadequadas, problemas de construção de frases, idéias pouco desenvolvidas, e sim o aprimoramento da atividade, desenvolvendo-se ações educativas desafiadoras que venham contribuir, elucidar, favorecer a troca de idéias, a reconstrução de frases.A alfabetização também deve passar pelos dois planos ou níveis da ação do professor: atividades e metacognição.Por atividades compreende-se a ação do plano A. A escrita é produto cultural e ocorre na prática social, onde o aluno vivencia interpessoalmente a linguagem, a leitura, a escrita.As atividades de alfabetização consistem em criar um ambiente para a vivência interpessoal do aluno em assuntos de oralidade, leitura e escrita, na sala de aula. Dessa forma, o estudante estabelece a interação com a escrita para a descoberta das características físicas do texto. A criança aprimora os sentidos e a observação atenta, faz uso dos amplificadores culturais e desenvolve as atividades de estudo.Por metacognição compreende-se as atividades de internalização, ou seja, as atividades intrapessoais ou intrapsicológicas, segundo Vygotsky. Nesse patamar do plano B de construção de conhecimentos, a interação do sujeito com a língua e a escrita é realizada em nível operatório ou metacognitivo. O material caótico, confuso e sem determinações de nexos lógicos é transportado para o plano B, onde se realiza a ‘ação sobre a ação” (Piaget), “experiência de experiência”, “pensar a palavra” ou “discurso interior”. (Vygotsky)
Ocorre o seguinte:
1- As atividades de leitura e escrita, que inicialmente eram executadas no plano da prática social, em situação de dialogicidade, são internalizadas ou começam a ocorrer internamente e são reconstruídas em nível mental (lógico);
2- Um processo interpessoal é transformado em processo intrapessoal: o que era executado em nível social entre pessoas passa a ser executado no interior da pessoa;
3- Essa passagem é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento do indivíduo.
Na aula de alfabetização, o professor, também, vale-se dos passos contidos no método de prática social de Saviani.
No último capítulo, A avaliação construtivista, Matui diz que a avaliação é o último recurso da escola tradicional e tecnicista. Sendo a parte mais legalizável do ensino, confere legitimidade a toda prática social da escola tradicionalista.; nela o docente encontra apoio para o resto de autoritarismo que ele ainda traz.Numa época de democratização do ensino e socialização do saber, como a atual, não se tolera mais uma avaliação arbitrária, discricionária e reprodutora das diferenças sociais.O item que trata da Prática social de avaliação tradicional traz à tona a prática social dos professores em relação à avaliação do aproveitamento escolar. Vigora uma “pedagogia de exames” que faz com que todas as atividades girem em torno de provas. Além da avaliação classificatória, há um “contrabando de transformação da qualidade em quantidade” que favorece os alunos das classes média e alta.A avaliação diagnóstica, primeira tentativa bem sucedida a se contrapor à avaliação classificatória, traz contribuições marcantes, como idéia de diagnóstico, avaliação como decisão e o compromisso político de avaliação democrática.A avaliação mediadora é uma sistematização verdadeiramente construtivista: é uma dinamização das oportunidades de ação-reflexão, um acompanhamento permanente do professor, uma prática para desafiar o aluno e uma forma de compreender suas dificuldades e o seu processo de cognição. Seu objetivo é promover a construção e a organização do conhecimento. Assume seu verdadeiro papel quando trata dos erros, tomando-os como meio de construção dos conhecimentos e não como faltas graves a condenar.Perpassando todas as formas de avaliação e toda a prática construtivista, a avaliação diagnóstica se baseia na aplicação dos princípios do método clínico-crítico utilizado por Piaget. A avaliação dialógica permite identificar as respostas verdadeiras e as não-verdadeiras. É o diálogo (fundamentalmente interação do sujeito com o mundo) que assegura o caráter aberto do construtivismo, bem como a sua dialética. A avaliação dialógica subsidia tanto a avaliação diagnóstica como a mediadora e está destinada a marcar uma mudança na educação, juntamente com o próprio construtivismo.Comentários Como experiente professor universitário e formador de professores na rede de ensino do Estado de São Paulo, Jiron Matui desenvolve brilhantemente o tema, alicerçado em suas bem sucedidas formação acadêmica e prática profissional.Transitando com clareza e propriedade por todos os aspectos da teoria construtivista, valoriza a psicogênese da alfabetização, “a locomotiva que está puxando o construtivismo”.A obra apresenta-se como rico instrumento para estudo da psicologia genética de Piaget, bem como para a comparação de suas contribuições com as de Vygotsky, principalmente, e de Wallon, em alguns aspectos.É um trabalho extremamente relevante para todos os que se dedicam à educação, pois contrapõe características da anacrônica escola tradicional aos atributos do construtivismo sócio-histórico, postura pedagógica na qual o professor precisa assumir o novo papel que lhe cabe, o papel político-construtivista, de mediador entre o sujeito e o objeto; de quem compreende adequadamente o erro e o utiliza como mediador de aprendizagem; de criador de atividades, que reorganiza o ambiente e seus elementos.Enfim, por seu caráter didático, estilo claro e direto, riqueza de conteúdo aliando teoria e prática, o livro “Construtivismo – teoria construtivista sócio-histórica aplicada ao ensino” pode ser recomendado aos educadores de forma geral.
Resenha
PIAGET, Jean. Para onde vai a educação?
Tradução de Ivette Braga, 14ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.
Por: Emerson dos Reis Dias[i]
Palavras-chaves: educação; direito à educação; ensino-aprendizagem; conhecimento escolar.
O livro aqui resenhado é obra de Jean Piaget, (1896-1980), que trata de compreender a forma como a criança adquire o conhecimento lógico-matemático. Como pesquisador, seus estudos têm como modelo as áreas da Matemática e da Física. Piaget lecionou nas Universidades de Genebra e de Paris. Este livro exprime o que o autor pensa a respeito do Ensino das Ciências, dos Direitos Humanos, inclusive o da gratuidade do ensino e de uma educação voltada para o pleno desenvolvimento da personalidade humana levando em consideração a diversidade dos povos.
A obra, ao longo de suas 80 páginas, está dividida em duas partes, sendo a primeira subdividida em dois tópicos, a segunda em cinco tópicos.
Jean Piaget inicia a primeira parte com uma retrospectiva da educação, a fim de mostrar a necessidade imperativa da transformação no modo de ensinar, a partir do entendimento da forma lógica de aprender dos alunos. Em seguida; ele propõe uma prospectiva na questão de como ensinar ciências, demostrando como ponto crucial as diferenças individuais de aptidão do aluno para determinados saberes, dependendo da adaptação ao tipo de ensino que lhe é oferecido, demonstrando que o fracasso escolar está muito mais ligado à rápida passagem que os professores fazem do aspecto qualitativo (lógico) para o quantitativo (numérico). Segundo o autor, a prática do ensino deveria utilizar o método ativo, por meio do qual a criança vai reconstruir e reinventar, não somente transmitir informações ao aluno. Para ele, o professor não deve se limitar ao conteúdo específico de sua disciplina, mas deve conhecer como ocorre o desenvolvimento psicológico da inteligência humana. Todo o processo de ensino deve estar alicerçado na experimentação por parte do aluno. O problema geral da Educação está centrado na preparação dos professores, que é o aspecto de real mudança em qualquer reforma pedagógica.
Na segunda parte, ele aborda a questão dos direitos expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em que lhe é assegurado o pleno direito à educação e na qual os pais podem escolher o tipo de educação que desejam para seus filhos. Piaget advoga que esse direito não se restringe ao "pleno direito à educação" mas que esta seja uma educação de qualidade e voltada para o pleno desenvolvimento da personalidade humana, levando em consideração a paz entre as várias nações. Para o desenvolvimento do ser humano é preciso atentar para os dois fatores que o condicionam: os fatores da hereditariedade e adaptação biológicas, e os fatores de transmissão ou de interação sociais. O autor ressalta a diferença entre as sociedades humanas e as sociedades animais, cujas principais condições sociais humanas são as técnicas de produção e a linguagem, que possibilita gerar os costumes e as regras. A concepção de que a lógica do conhecimento seria inata no indivíduo foi quebrada com as pesquisas piagetianas, cujos resultados apontaram que essa lógica se constrói na interação do sujeito com o meio, como um processo de desenvolvimento natural. Assim, a educação passa a ser vista como fundamental para a formação do desenvolvimento natural do indivíduo.
O autor reflete sobre como a criança, até seus sete anos e conforme sua nacionalidade, tem como responsável pela sua educação a família e não na escola. Com isso, o autor quer nos lembrar que a família não deve ter somente o papel formador e a escola o papel de informar o aluno, mas que a escola, que também é responsável em educar, não fosse separada da vida.
Discutindo o direito à educação, de acordo com o autor, na página 36,
"... é preciso não se deixar iludir: tal situação de direito não poderia ainda corresponder a uma aplicação universal da lei, já que o número de escolas e de professores permanece insuficiente relativamente à população em idade escolar...".
Piaget vem mostrar que o direito por si só não é o bastante, e que a gratuidade somente do ensino de primeiro grau, com um olhar de justiça social, não passa de uma mera afirmação social. Entretanto, para ele, não basta ampliar o ensino de primeiro grau e implantar o segundo com caráter gratuito, mas é preciso também implementar uma relação aluno/escola/aprendizagem, em que haja tarefas que levem o aluno a compreender e participar ativamente da vida social.
Com relação aos pais, o autor reflete sobre como a família vem perdendo seu poder de escolha e controle para o estado; há famílias constituídas por bons pais e outros nem tanto. Ao lidar com os pais, principalmente quando da aplicação dos métodos ativos, deve-se levar em consideração que é mais fácil a estes compreenderem os métodos antigos do que uma nova proposta.
A educação não deve se prestar a moldar o aluno de acordo com um modelo condizente com as gerações anteriores, mas em formar-lhe a personalidade.
A respeito da educação moral, unicamente a vida social entre os próprios alunos, isto é, um autogoverno levado tão longe quanto possível e paralelo ao trabalho intelectual em comum, poderá conduzir a esse duplo desenvolvimento de personalidades, donas de si mesmas e de respeito mútuo.
Mostra ainda que a questão da educação internacional é muito delicada, pois, deve levar em consideração as variadas culturas. O intercâmbio intercultural entre as sociedades faz-se principalmente pelo respeito aos diferentes grupos étnicos que a formam, de forma a conduzir a humanidade a uma paz mundial. Para isso é preciso levar em conta qual método deve ser aplicado para fazer de um indivíduo um bom cidadão. As ciências mostram o quão profundamente está enraizada a atitude egocêntrica no ser humano, e o quanto é difícil dela se desfazer, tanto pelo cérebro quanto pelo coração.
O pensamento de Piaget, expresso nesse livro, leva-nos a refletir sobre a forma como a escola e a sociedade vêm lidando com a educação dos indivíduos, na qual, muitas vezes, não se leva em consideração a forma como estes desenvolvem sua inteligência. Mais grave ainda é a formação dos professores, que não foram desenvolvidos dentro de um processo ativo. Como este docente, assim formado, poderá ensinar seus alunos se ele mesmo não sabe como acontece a passagem do processo quantitativo para o qualitativo?
Esta obra é indicada para todos os profissionais da educação que buscam entender um pouco mais sobre como se desenvolve o pensamento humano e refletir sobre como se poderia estar agindo dentro de um processo educacional voltado ao desenvolvimento pleno da pessoa e da sociedade.
DOMINGO, 6 DE ABRIL DE 2008
Resenha: Os sete saberes necessários à educação do futuro_Fernanda Salles
Os sete saberes necessários à educação do futuro
Por Maria Fernanda Salles de Aguiar
Escrito em 1999 por solicitação da UNESCO, como “um conjunto de reflexões que servissem como ponto de partida para pensar a educação do próximo milênio”, “Os sete saberes necessários à educação do futuro”, de Edgar Morin, um dos grandes pensadores ocidentais do século XX, é um livro admirável em sua forma e concepção. Com pouco mais de 120 páginas aborda questões profundas como a história do mundo, a evolução da humanidade, os rumos da ciência e da tecnologia, a formação do cérebro, o comportamento das culturas e... a educação. Dividido em sete capítulos (I- As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; II- Os princípios do conhecimento pertinente; III- Ensinar a condição humana; IV- Ensinar a identidade terrena; V- Enfrentar as incertezas; VI Ensinar a compreensão; VII- A ética do gênero humano), Morin apresenta o mundo e a humanidade como organismos absolutamente interligados, sendo que a sobrevivência de um depende da realização do outro em suas dimensões individual e coletiva, sem o que o desenvolvimento técnico e econômico pouco significam. “Concebido unicamente de modo técnico e econômico, o desenvolvimento chega a um ponto insustentável, inclusive o chamado desenvolvimento sustentável. É necessário uma noção mais rica e complexa do desenvolvimento, que seja não somente material, mas também intelectual, afetivo, moral...”, conclui Morin (pg. 69). Portanto, uma educação “transdisciplinar, capaz de rejuntar ciências e humanidades e romper com a oposição entre natureza e cultura” (orelha), mais do que uma posição ideológica relacionada à um tipo de educação passível de escolha entre tantas outras, é uma condição sine qua non para a sobrevivência da espécie humana e para a continuidade do planeta. “A educação do futuro conduziria à tomada de conhecimento e, por conseguinte, de consciência da condição comum a todos os humanos e da muito rica e necessária diversidade dos indivíduos, dos povos, das culturas, sobre nosso enraizamento como cidadãos da terra...” (pg. 61) Como promover uma educação que leve em consideração a unidade e a dualidade do homem? Como levar em consideração o que a humanidade possui de específico e de comum ao mesmo tempo, respeitando a riqueza de uma cultura que nasce local sem esquecer a questões globais? Como fazer com que o homem se relacione com as questões de uma civilização que atingiu um desenvolvimento técnico impensável e que cada vez mais cria conexões e interdependências entre as diversas culturas? “Todo desenvolvimento verdadeiramente humano significa o conjunto das autonomias individuais,das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana”, avalia Morin (pg. 55) em uma das pistas que nos oferece neste enxuto, mas valioso, tratado sobre educação.
Dois links e complementares: http://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Morin - pequena biografia e principais obrashttp://ww2.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/meio_ambiente/umapaz/files/Morin.pdf - uma resenha de "Os sete saberes" muito boa. Infelizmente, não assinada.
Resumo do http://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Morin
Edgar Morin, pseudônimo de Edgar Nahoum (Paris, 8 de Julho 1921), é umantropólogo, sociólogo e filósofo francês de origem sefardita.
Pesquisador emérito do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). Formado em Direito, História e Geografia, realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia. Autor de mais de trinta livros, entre eles: O método (6 volumes),Introdução ao pensamento complexo, Ciência com consciência e Os sete saberes necessários para a educação do futuro.
Durante a Segunda Guerra Mundial, participou da Resistência Francesa.
É considerado um dos principais pensadores contemporâneos e um dos principais teóricos da complexidade.
Biografia
Nascido em Paris, filho único de uma família judia sefardi, seu pai, Vidal Nahoum, era um comerciante originário de Salônica. Sua mãe, Luna Beressi, faleceu quando ele tinha 10 anos. Ateu declarado, descreve-se como um neo-marrano). Estudou direito, história, filosofia, sociologia e economia. Em 1942, obteve a licenciatura em direito e em história e geografia.
Em 1941, adere ao Partido Comunista, «num momento em que se sentia, pela primeira vez, que uma força poderia resistir à Alemanhanazista».
Entre 1942 e 1944, participou da Resistência, como tenente das forças combatentes francesas, adotando o codinome Morin, que conservaria dali em diante.
Durante a Liberação, é transferido para a Alemanha ocupada, como adido ao Estado Maior do Primeiro Exército Francês na Alemanha, em1945, e, em 1946, como chefe do departamento de propaganda do governo militar francês. Nessa época, escreve seu primeiro livro, L'An zéro de l’Allemagne ("O Ano Zero na Alemanha"), publicado em 1946, no qual descreve a situação do povo alemão no pós-guerra. O livro foi muito apreciado por Maurice Thorez, que o convida a escrever para a revista Lettres françaises.
A partir de 1949, distancia-se do Partido Comunista, do qual será excluído em 1951, por suas posições antistalinistas.
Aconselhado por Georges Friedmann, que conheceu durante a ocupação alemã, e com o apoio de Maurice Merleau-Ponty, de Vladimir Jankélévitch e de Pierre George, entra para o CNRS em 1950. Começa a escrever L'Homme et la Mort ("O Homem e a Morte"), lançado em1951.
Em 1955, coordena um comitê contra a guerra da Argélia e defende particularmente Messali Hadj, pioneiro da luta anticolonial e um dos próceres da independência da Argélia.
Em 1960, funda, na École des hautes études en sciences sociales (EHESS), o Centro de estudos de comunicação de massa (CECMAS), com Georges Friedmann e Roland Barthes, com a intenção de adotar uma abordagem transdisciplinar do tema, e cria a revistaCommunications. Morin é também fundador da revista Arguments (1957-1963).
Nomeado diretor de pesquisa do CNRS em 1970, será também, entre 1973 e 1989, um dos diretores do Centro de estudos transdisciplinares da EHESS, sucessor do CECMAS.
Edgar Morin e o conflito israelo-palestino
Em 4 de junho de 2002, Edgar Morin publicou no jornal Le Monde, com Sami Naïr, professor da Universidade de Paris VIII e ex-membro doParlamento Europeu e Danièle Sallenave, jornalista e ex-professora da Universidade de Paris X - Nanterre, um artigo intitulado Israël-Palestine: le cancer ("Israel-Palestina: o câncer")[1]. Segundo o artigo "o câncer israelo-palestino se formou, alimentando-se, por um lado, da angústia histórica de um povo perseguido no passado e de sua insegurança geográfica; por outro, da infelicidade de um povo perseguido no seu presente e privado de direitos políticos".
O artigo critica o unilateralismo da visão israelense. " É a consciência de ter sido vítima que permite a Israel tornar-se opressor do povo palestino. A Shoah, que singulariza o destino vitimário judeu e banaliza todos os outros (do Gulag, dos ciganos, dos africanos escravizados, dos índios das Américas), torna-se a legitimação de um colonialismo, de um apartheid e de uma guetificação para os palestinos."
Acrescenta que "os judeus de Israel, descendentes das vítimas de um apartheid denominado ghetto, guetificam os palestinos. Os judeus que foram humilhados, desprezados, perseguidos, humilham, desprezam e perseguem os palestino. Os judeus, que foram vítimas de uma ordem impiedosa, impõem sua ordem impiedosa aos palestinos. Os judeus, vítimas da desumanidade, mostram uma terrível deumanidade."
O artigo valeu aos seus autores um processo por difamação racial e apologia de atos de terrorismo movido pela Associação França-Israel. O processo provocou protestos, inclusive de outras entidades judaicas. [2] [3] Afinal, o filósofo acabou sendo inocentado pela Corte de Cassação, a mais alta instância judiciária francesa.[4]
Pensamento
A principal obra de Edgar Morin é a constituída por seis volumes, "La Méthode" (em português, O Método). Foi escrita durante três décadas e meia. Trata-se de uma das maiores obras de epistemologia disponível. Morin inicia os primeiros escritos de "La Méthode" em 1973, com a publicação do livro "O Paradigma Perdido: a Natureza Humana", uma transformação epistemológica por questionar o fechamendo ideológico e paradigmático das ciências, além de apresentar uma alternativa à concepção de "paradigma" encontrada em Thomas Kuhn. Seu primeiro livro traduzido para o português é O cinema ou o homem imaginário, em 1958.
Os sete saberes necessários
Morin afirma que diante dos problemas complexos que as sociedades contemporâneas hoje enfrentam, apenas estudos de caráter inter-poli-transdisciplinar poderiam resultar em análises satisfatórias de tais complexidades:
"Afinal, de que serviriam todos os saberes parciais senão para formar uma configuração que responda a nossas expectativas, nossos desejos, nossas interrogações cognitivas?.” [5]
No livro Os sete saberes necessários à educação do futuro, Morin apresenta o que ele mesmo chama de inspirações para o educador ou os saberes necessários a uma boa prática educacional.
1º Saber - Erro e ilusão
Não afastar o erro do processo de aprendizagem. Integrar o erro ao processo, para que o conhecimento avance.
- A educação deve demonstrar que não há conhecimento sem erro ou ilusão. - Todas as percepções são ao mesmo tempo traduções e reconstruções cerebrais a partir de estímulos ou signos, captados e codificados pelos sentidos. - O conhecimento em forma de palavra, ideia ou teoria, é fruto de uma tradução/reconstrução mediada pela linguagem e pelo pensamento; assim conhece o risco de erro. - O conhecimento enquanto tradução e reconstrução, admite interpretação pelo indivíduo; assim terá a forma de cada um, e conforme cada um vê o mundo. - Não se pode e não se deve separar os sentidos humanos ao conhecimento visto que a afectividade pode asfixiar o conhecimento, mas também fortalecê-lo. - Não há um estado superior da razão que domina a emoção, mas um circuito intelecto «-» afecto que assim contribui para o estabelecimento de comportamentos racionais. - Existe um mundo psíquico independente, onde fermentam necessidades, sonhos, desejos, ideias, imagens, fantasias e este mundo influencia a nossa visão e concepção do mundo. - A racionalidade é o melhor guarda–costas da razão. Com ela nos é permitido distinguir o real do irreal, o objectivo do subjectivo, etc. Mas também a racionalidade para ser racional deve estar aberta a todas as possibilidades de erro - caso contrário passa a ser uma racionalização dos nossos conhecimentos ou seja, o que pensamos estar correcto e ser racional, como não o pomos à prova de erro, torna-se a racionalização desse pensamento, ideia ou teoria. Fecha-se em si mesmo. A racionalidade é aberta - ao contrário da racionalização, que se fecha em si mesma.
2º Saber - O conhecimento pertinente
Juntar as mais variadas áreas de conhecimento, contra a fragmentação. Para que o conhecimento seja pertinente, a educação deverá tornar evidentes:
O contexto
O global
O multidimensional – o ser humano é multidimensional: é biológico, psíquico, social e afectivo. A sociedade contém dimensões históricas, económica, sociológica, religiosa.
O complexo – ligação entre a unidade e a multiplicidade.
A educação deve promover uma inteligência geral apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de forma multidimensional e numa concepção global. Quanto mais poderosa for a inteligência geral, maior é a sua faculdade de tratar problemas especiais.
A antinomia – os progressos do conhecimento estão dispersos, desunidos, devido à especialização que quebra os contextos, as globalidades e as complexidades. Os problemas fundamentais e os problemas globais são evacuados das ciências disciplinares, perdem as suas aptidões naturais tanto para contextualizar os saberes como para integrá-los nos seus conjuntos naturais. A debilitação da percepção do global conduz à debilitação da responsabilidade (cada um só se responsabiliza pela sua tarefa especializada) e à debilitação da solidariedade (já ninguém sente vínculos com os concidadãos).
A disjunção e especialização fechada – a hiperespecialização – impede-nos de ver tanto o global como o essencial, e de tratar correctamente os problemas particulares, que só podem ser apresentados e pensados num contexto. A cultura geral incita à busca da contextualização de qualquer ideia; a cultura científica e técnica disciplinar parcela, desune e compartimenta os saberes, tornando cada vez mais difícil a sua contextualização. A divisão das disciplinas impossibilita colher o que está tecido em conjunto – o complexo.
A redução e disjunção – o princípio da redução conduz a uma diminuição do conhecimento de um todo, ao conhecimento das suas partes, como se a organização de um todo não produzisse qualidades ou propriedades novas em relação às partes, consideradas separadamente. Conduz à redução do complexo ao simples, à eliminação de tudo aquilo que não seja quantificável nem mensurável. A redução, quando obedece estritamente ao postulado determinista, oculta o risco, a novidade, a intenção.
A falsa racionalidade – o século XX viveu sob o reino de uma pseudo racionalidade, que se presumiu ser a única, mas que atrofiou a compreensão, a reflexão e a visão a longo prazo. A sua insuficiência para tratar os problemas mais graves constituiu um dos problemas mais graves para a humanidade.
3º Saber - Ensinar a condição humana
Não somos um algo só. Somos indivíduos mais que culturais - somos psíquicos, físicos, míticos, biológicos, etc.
A educação do futuro deverá ser um ensino primeiro e universal centrado na condição humana. O humano permanece cruelmente dividido, fragmentado, enuncia-se um problema epistemológico e é impossível conceber a unidade complexa do humano por intermédio do pensamento disjuntivo, que concebe a nossa humanidade de maneira insular, por fora do cosmos que o rodeia, da matéria física e do espírito do qual estamos constituídos, nem tão pouco por intermédio do pensamento redutor que reduz a unidade humana a um substrato bio – anatômico. - Enraizamento – desenraizamento - embora enraizados no cosmos e na esfera viva, os humanos desenraizaram-se pela evolução. - Condição cósmica/condição física/condição terrestre/condição humana. Somos ao mesmo tempo seres cósmicos e terrestres. Somos resultado do cosmos, da natureza, da vida, mas devido à nossa própria humanidade, à nossa cultura, à nossa mente, à nossa consciência, tornámo-nos estranhos a este cosmos do qual fazemos parte. Evoluímos para além do mundo físico e vivo. È neste mais alem que se opera o pleno desdobramento da humanidade. - A unidualidade – o homem é um ser plenamente biológico, mas senão dispusesse plenamente da cultura seria um primata do mais baixo nível. O homem só se completa em ser plenamente humano pela e na cultura. Não existe cultura sem cérebro humano, mas não há mente ou seja, capacidade de consciência e de pensamento sem cultura. A mente é uma emergência do cérebro, que suscita cultura, a qual não existiria sem cérebro.Uma outra face da complexidade humana que integra a animalidade na humanidade e a humanidade na animalidade. As relações entre a razão/afecto/impulso não são só complementares, mas também antagonistas admitindo os conflitos entre a impulsividade, o coração e a razão. A racionalidade não dispõe do poder supremo - Individuo/sociedade/espécie – o desenvolvimento verdadeiramente humano significa desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do e do sentido de pertença à espécie humana. A educação do futuro devera velar para que a ideia de unidade da espécie humana não apaguea diversidade e que a diversidade não apague a unidade. Todo o ser humano traz geneticamente em si a espécie humana e implica geneticamente a sua própria singularidade anatómica, fisiológica, todo o ser humano traz em si cerebral, mental, psicológica, afectiva, intelectual subjectivamente caracteres fundamentalmente comuns e ao mesmo tempo, tem as suas singularidades cerebrais, mentais, psicológicas, afectivas, intelectuais, subjectivas. A cultura mantém a identidade humana, no que ela tem de específico: as culturas mantêm as identidades sociais no que elas têm de específico. O ser humano é complexo e traz em si de forma bipolarizada os caracteres antagónicos: racional e delirante; trabalhador e jogador; empírico e imaginário; ecónomo e delapidador; prosaico e poético da mesma maneira a educação deveria mostrar e ilustrar o destino de múltiplas faces do humano: o destino social, o destino histórico, todos os destinos entrelaçados e inseparáveis. Uma das vocações essenciais da educação do futuro será o exame e o estudo da complexidade humana.
4º Saber - Identidade terrena
Saber que a Terra é um pequeno planeta, que precisa ser sustentado a qualquer custo. Idéia da sustentabilidade terra-pátria.
O tesouro da humanidade está na sua diversidade criadora, mas a fonte da sua criatividade está na sua unidade geradora. Com as novas tecnologias o mundo cada vez mais é um todo. Mas de um todo desunificado e desenraizado lado. O crescimento económico de uns gera a miséria noutros: o mundo é um todo, esse todo não respeita nem vê cada um, seja ele Estado ou individuo. O desenvolvimento das ciências trazem-nos progresso mas também regressões, ajuda uns e mata outros. Os grandes desenvolvimentos desenvolveram tudo e esqueceram-se de desenvolver o conceito de cidadania terrestre. Mas há esperança, tem que haver esperança. Esperamos com esperança com os vários contributos das contracorrentes que vão aparecendo por reacção às correntes dominantes; - a contracorrente ecológica, que defende a preservação do planeta que é nosso e por isso mesmo não temos o direito de o destruir e simultaneamente de nos destruirmos com ele; a contracorrente qualitativa – que rejeita a filosofia de “ quanto mais melhor “ e defende a de “ quanto melhor melhor “; a contracorrente à vida utilitária, sem cor; a contracorrente ao consumismo desenfreado; a contracorrente da escravatura ao lucro; a contracorrente pacifista que se opõe à solução armada para resolução dos conflitos.
5º Saber - Enfrentar as incertezas
Princípio da incerteza. Ensinar que a ciência deve trabalhar com a ideia de que existem coisas incertas.
Por muito que o progresso se tenha desenvolvido não nos é possível, nem com as melhores tecnologias, prever o futuro. O futuro continua aberto e imprevisível. O futuro chama-se incerteza. Nada é um dado adquirido, completo e simples, tudo se transforma para a melhor e pior maneira, por isso o homem enfrenta um novo desafio, uma nova aventura que é enfrentar as incertezas, e a educação do futuro deve voltar-se para as incertezas ligadas ao conhecimento.
6º Saber - Ensinar a compreensão
A comunicação humana deve ser voltada para a compreensão. Introduzir a compreensão; compreensão entre departamentos de uma escola, entre alunos e professores, etc.
A comunicação no séc. XXI do planeta é completa, entre faxes, telefone e Internet todos compreendem, mas os progressos para compreender a compreensão são mínimos. Não há nenhuma técnica de comunicação que traga por si mesma a compreensão. Educar para compreender uma dada matéria de uma disciplina é uma coisa, educar para a compreensão humana é outra, esta é a missão espiritual da educação: ensinar a compreensão entre as pessoas como condição garante da solidariedade intelectual e moral da humanidade; humanidade como um todo um todo como pólo individual. Para uma compreensão da humanidade temos que ensinar e aprender com os obstáculos que existem para a compreensão, o egocentrismo e o sociocentrismo, a redução do intelecto humano, a introspecção, o respeito e abertura ao próximo, a tolerância são caminhos que podem afectar positiva e negativamente a compreensão.
7º Saber - Ética do gênero humano
É a antropo-ética: não desejar para os outros, aquilo que não quer para você. A antropo-ética está ancorada em três elementos:
Indivíduo
Sociedade
Espécie
Morin defende a interligação destes três elementos desde O paradigma perdido: a natureza humana.
Na questão prática de aplicar os 7 saberes, a questão fundamental é que o objetivo não é transformá-los em disciplinas, mas sim em diretrizes para ação e para elaboração de propostas e intervenções educacionais.
A concepção complexa do género humano comporta a tríade individuo «-» sociedade «-» espécie, significa desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertença à espécie humana. No seio desta tríade complexa emerge a consciência, logo, uma ética propriamente humana, ou seja, uma antropo – ética que supõe a decisão consciente e esclarecida de assumir a humana condição de individuo «-» sociedade «-» espécie na complexidade do nosso ser, de realizar a humanidade em nós próprios na nossa consciência pessoal, de assumir o destino humano nas suas antinomias e na sua plenitude, é –nos proposto um desafio; trabalhar para a humanização da humanidade; efectuar a dupla condição do planeta – obedecer à vida, guiar a vida; realizar a unidade planetária na diversidade; respeitar ao mesmo tempo no próximo, a diferença e a identidade consigo próprio; desenvolver a ética da solidariedade; da compreensão; ensinar a ética do género humano. A antropo-ética tem assim a esperança na realização da humanidade como consciência e cidadania planetária. Ensinar a democracia – a democracia permite a relação rica e complexa individuo «-» sociedade, onde os indivíduos e a sociedade se podem e devem entre - ajudar, entre – desenvolver, entre – regular e entre – controlar. A soberania do povo cidadão conte ao mesmo tempo a auto - limitação desta soberania pela obediência às leis e a transferência de soberania para os eleitores. A democracia contém ao mesmo tempo a auto – limitação da empresa do Estado pela separação dos poderes, a garantia dos direitos individuais e a protecção da vida privada. A democracia supõe e alimenta a diversidade dos interesses assim como a diversidade das ideias. O respeito da diversidade significa que a democracia não pode ser identificada com a ditadura das maiorias sobre as minorias. A democracia tem ao mesmo tempo necessidade de conflitos de ideias e de opiniões que lhe dão a vitalidade e a produtividade. Assim, exigindo ao mesmo tempo consenso, diversidade e conflitualidade, a democracia é um sistema complexo de organização e de civilização políticas que alimenta e se alimenta da autonomia do espírito dos indivíduos, da sua liberdade de opinião e de expressão, do seu civismo, que alimenta e se alimenta do ideal do ideal Liberdade – Igualdade – Fraternidade que comporta uma conflitualidade criadora entre os seus três termos inseparáveis. As democracias serão cada vez mais confrontadas com um problema, nascido do desenvolvimento das ciências, técnicas e burocracia. Esta enorme máquina não produz apenas conhecimento e elucidação, produz também ignorância e cegueira. Os desenvolvimentos disciplinares das ciências não só as vantagens da divisão do trabalho, trouxeram também os inconvenientes da super – especialização, do fechamento e do emparcelamento do saber, assim, o cidadão perde o direito ao conhecimento que está acessível só aos peritos de cada uma das áreas.
[editar]O pensamento complexo
Complexo vem do Latim complexus, que quer dizer “aquilo que é tecido em conjunto”. Segundo o próprio Morin, nós somos:
Homo (gênero) Homo sapiens sapiens
Edgar Morin diz que é sistemático demais possuirmos um sapiens ou dois, em nossa autodenominação; é preciso acrescentar um demens, ficando: Homo sapiens sapiens demens, o que mostra o quanto somos descomedidos, loucos. Todo homem é duplo: ao mesmo tempo que é racional apresenta certa demência.
Na busca do verdadeiro pensamento complexo de Morin, esbarramos no entendimento de outros conceitos, entre eles, é o de operadores de complexidade:
Operador dialógico que é diferente de operador dialético
Operador recursivo
Operador hologramático
O operador dialógico envolve o entrelaçar coisas que aparentemente estão separadas: Exemplos:
Razão e emoção
Sensível e inteligível
O real e o imaginário
A razão e os mitos
A ciência e a arte
Trata-se da não existência de uma síntese. Tudo isto consiste o chamado dialogizar.
O operador recursivo, trata principalmente do fato de que sempre aprendemos que uma causa A produz um efeito B. Na recursividade a causa produz um efeito, que por sua vez produz uma causa.
Exemplo: Somos produto de uma união biológica, entre um homem e uma mulher e por nossa vez seremos geradores de outras uniões.
O operador hologramático, trata de situações em que você não consiga separar a parte do todo. A parte está no todo, assim como o todo está na parte. Esses três operadores são as bases do pensamento complexo. Em resumo temos:
Juntar coisas que estavam separadas
Fazer circular o efeito sobre a causa
Idéia de totalidade: Não dissociar a parte do todo. O todo está na parte assim como a parte está no todo.
Com esses três operadores, você criará a noção de totalidade, mas ao mesmo tempo, criará uma concepção de que a simples soma das partes não leva a esse total. A totalidade (no pensamento complexo), é mais do que a soma das partes e simultaneamente menos que a soma das partes.
- Nós somos considerados seres que:
Falam;
Fabricam seus próprios instrumentos;
Simbólicos, pois criamos nossos símbolos, nossos mitos, e nossas mentiras.
O pensamento complexo afirma também que, além disso, somos complexos. Isto porque estamos inscritos numa longa ordem biológica e porque somos produtores de cultura. Logo, somos 100% natureza e 100% cultura. O conhecimento complexo não está limitado à ciência, pois há na literatura, na poesia, nas artes, um profundo conhecimento. Todas as grandes obras de arte possuem um profundo pensamento sobre a vida. Segundo o próprio Morin, devemos romper com a noção de que devemos ter as artes de um lado e o pensamento científico do outro.
[editar]Tetragrama organizacional
Qualquer atividade de seres vivos é guiada por uma tetralogia. Envolve relações de:
Ordem;
Desordem;
Interação;
(re)Organização.
Isto é o tetragrama organizacional.
Unindo este tetragrama aos operadores de complexidade, temos as bases do pensamento complexo.
Diz Marx: “Qualquer reforma do ensino e da educação começa com a reforma dos educadores.” Esta é uma das citações mais utilizadas por Morin quando trata da questão do pensamento complexo e da reforma dos educadores no processo de criação de uma nova educação. A razão cartesiana impôs um paradigma. Ela nos ensinou a separar a razão da des-razão. Temos que religar tudo o que a ciência cartesiana separou, segundo Morin.
Transdisciplinaridade
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
A transdisciplinaridade é uma abordagem científica que visa a unidade do conhecimento. Desta forma, procura articular uma nova compreensão da realidade articulando elementos que passam entre, além e através das disciplinas, numa busca de compreensão da complexidade.
O que é?
Termo originalmente criado por Piaget, que no I seminário Internacional sobre pluri e interdisciplinaridade, realizado na Universidade de Nice, também conhecido com Seminário de Nice, em 1970, divulgou pela primeira vez o termo, dando então início ao estudo sobre o mesmo, pedindo para que os participantes pensassem no assunto.
Hoje, tendo o Centre International de Recherches et d`Études transdisciplinaires (CIRET) como um dos principais centros mundiais de estudos sobre os conceitos transdisciplinares, é um dos mais complexos, e por conseqüencia um dos mais estudados conceitos, onde ao mesmo tempo procura uma interação máxima entre as disciplinas porém respeitando suas individualidades, onde cada uma colabora para uma saber comum, o mais completo possível, sem transformá-las em uma única disciplina.
E é na Carta da transdisciplinaridade, produzida pela UNESCO no I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade 1994, realizado em Arrábida, Portugal, com fundamental colaboração do CIRET, em que temos uma definição do conceito transdisciplinar:
Artigo 3: "(...) a transdisciplinaridade não procura o domínio sobre várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa (...)"
Artigo 7: A transdisciplinaridade não constitui nem uma nova religião, nem uma nova filosofia, nem uma nova metafísica, nem uma ciência das ciências."
No âmbito acadêmico, já no século XX, com o intuito de unir o mundo " não universitário" ao universitário, cuja separação se dá primordialmente pela hiperespecialização profissional, com grande número de disciplinas que não acompanham todo o desenvolvimento, principalmente na área tecnológica, temos um aprofundamento na utilização deste conceito, visando formar profissionais cada vez mais completos, compatíveis com as exigências do mercado de trabalho que este futuro profissional encontrará.
Assim tão complexo quanto os problemas que tenta solucionar, tem-se a transdisciplinaridade, que por ser tão sutil, ser a linha tênue que une e serve de limite entre o comprometimento e o individualismo de cada disciplina, que não possui uma definição exata, e ao mesmo tempo é um dos mais necessários conceitos quando tratamos de formação e educação.
[editar]Diferenças entre transdisciplinaridade e interdisciplinaridade
A transdisciplinaridade não significa apenas que as disciplinas colaboram entre si, mas significa também que existe um pensamento organizador que ultrapassa as próprias disciplinas. É diferente de interdisciplinaridade, que exemplificando através de uma analogia, é basicamente como as nações unidas, que simplesmente une para discutir os problemas particulares de cada região. Nisto a transdisciplinaridade é mais integradora. Para haver essa dita transdisciplinaridade, é preciso haver um pensamento organizador, chamadopensamento complexo. Pela criação de um meta ponto de vista e não de um ponto de vista. O verdadeiro problema não é fazer uma adição de conhecimento, é organizar todo o conhecimento.
[editar]Instituções que estudam Transdisciplinaridade
[[CETRANS - Centro de Educação Transdisciplinar
O primeiro pensador moderno
Descartes é considerado o primeiro filósofo moderno. A sua contribuição à epistemologia é essencial, assim como às ciências naturais por ter estabelecido um método que ajudou no seu desenvolvimento. Descartes criou, em suas obras Discurso sobre o método e Meditações - ambas escritas em francês, em lugar do latim, língua tradicionalmente utilizada nos textos eruditos de sua época - as bases da ciência contemporânea.
O método cartesiano consiste no Ceticismo Metodológico - que nada tem a ver com a atitude cética: duvida-se de cada idéia que não seja clara e distinta. Ao contrário dos gregos antigos e dos escolásticos, que acreditavam que as coisas existem simplesmente porque precisamexistir, ou porque assim deve ser etc., Descartes instituiu a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que puder ser provado, sendo o ato de duvidar indubitável. Baseado nisso, Descartes busca provar a existência do próprio eu (que duvida, portanto, é sujeito de algo - cogito ergo sum, penso logo sou) e de Deus.
Também consiste o método de quatro regras básicas:
verificar se existem evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou coisa estudada;
analisar, ou seja, dividir ao máximo as coisas, em suas unidades mais simples e estudar essas coisas mais simples;
sintetizar, ou seja, agrupar novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro;
enumerar todas as conclusões e princípios utilizados, a fim de manter a ordem do pensamento.
Em relação à Ciência, Descartes desenvolveu uma filosofia que influenciou muitos, até ser superada pela metodologia de Newton. Ele sustentava, por exemplo, que o universo era pleno e não poderia haver vácuo. Acreditava que a matéria não possuía qualidades secundárias inerentes, mas apenas qualidades primarias de extensão e movimento.
Ele dividia a realidade em res cogitans (consciência, mente) e res extensa (matéria). Acreditava também que Deus criou o universo como um perfeito mecanismo de moção vertical e que funcionava deterministicamente sem intervenção desde então.
Matemáticos consideram Descartes muito importante por sua descoberta da geometria analítica. Até Descartes, a geometria e a álgebraapareciam como ramos completamente separados da Matemática. Descartes mostrou como traduzir problemas de geometria para a álgebra, abordando esses problemas através de um sistema de coordenadas.
A teoria de Descartes forneceu a base para o Cálculo de Newton e Leibniz, e então, para muito da matemática moderna. Isso parece ainda mais incrível tendo em mente que esse trabalho foi intencionado apenas como um exemplo no seu Discurso Sobre o Método.
Paradigma
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Paradigma (do grego Parádeigma) literalmente modelo, é a representação de um padrão a ser seguido. É um pressuposto filosófico, matriz, ou seja, uma teoria, um conhecimento que origina o estudo de um campo científico; uma realização científica com métodos e valores que são concebidos como modelo; uma referência inicial como base de modelo para estudos e pesquisas.
Thomas Kuhn,físico americano célebre por suas contribuições à história e filosofia da ciência em especial do processo que leva à evolução do desenvolvimento científico, designou como paradigmáticas as realizações científicas que geram modelos que, por período mais ou menos longo e de modo mais ou menos explícito, orientam o desenvolvimento posterior das pesquisas exclusivamente na busca da solução para os problemas por elas suscitados.
Em seu livro “A Estrutura das Revoluções Científicas” apresenta a concepção de que “um paradigma, é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma”,e define “o estudo dos paradigmas como o que prepara basicamente o estudante para ser membro da comunidade científica na qual atuará mais tarde”.
Hoisel autor de um interessante ensaio ficcional, que aborda como a ciência de 1998 haveria de se encontrar em 2008, chama atenção para o aspecto relativo da definição de paradigma, observando que enquanto uma constelação de pressupostos e crenças, escalas de valores, técnicas e conceitos compartilhados pelos membros de uma determinada comunidade científica num determinado momento histórico, é simultaneamente um conjunto dos procedimentos consagrados, capazes de condenar e excluir indivíduos de suas comunidades de pares. Nos mostra como este pode ser compreendido como um conjunto de vícios de pensamento e bloqueios lógico-metafísicos que obrigam os cientistas de uma determinada época a permanecer confinados ao âmbito do que definiram como seu universo de estudo e seu respectivo espectro de conclusões adredemente admitidas como plausíveis.
Na comunicação 3 de seu livro “Anais de um simpósio imaginário” Hoisel destaca ainda que uma outra conseqüência da adoção irrestrita de um paradigma é o estabelecimento de formas específicas de questionar a natureza, limitando e condicionando previamente as respostas que esta nos fornecerá um alerta já nos foi dado pelo físico Heisenberg quando mostrou que, nos experimentos científicos o que vemos não é a natureza em si, mas a natureza submetida ao nosso modo peculiar de interrogá-la.
ÍNDICE
A posição epistemológica de Jean Piaget 05
O tempo e o desenvolvimento intelectual da criança 14
O desenvolvimento das operações intelectuais 35
Estruturas operatórias concretas - os agrupamentos 53
Estruturas operatórias formais 64
O pensamento do adolescente 73
A POSIÇÃO EPISTEMOLÓGICA DE JEAN PIAGET
Orly Zucatto Mantovani de Assis
Desde muito jovem, Piaget esteve preocupado em resolver questões epistemológicas, isto é, questões que se referem à natureza, possibilidade e processos do conhecimento. Biólogo de formação e acostumado aos procedimentos da ciência, decidiu consagrar seus estudos à explicação biológica do conhecimento. Sua intenção era a de descobrir as relações existentes entre o conhecimento e a vida orgânica, através da observação e experimentação, que constituem o método científico. Reconhecendo que só a Biologia era insuficiente para lhe dar as respostas que procurava, Piaget recorreu à Psicologia. Ele estava então convencido de que para responder às questões epistemológicas que formulara, era preciso reconstruir a psicogênese do conhecimento. Foi buscando atingir esse objetivo que Piaget empreendeu suas pesquisas no campo da psicologia genética.
Durante mais de sessenta anos Piaget dedicou-se a pesquisar o desenvolvimento da inteligência humana na tentativa de responder questões como as seguintes:
- Como é possível o conhecimento objetivo?
- Qual a origem do conhecimento lógico-matemático?
- Como se dá a passagem de um estado de conhecimento mais elementar para um conhecimento mais avançado?
Muitos filósofos preocuparam-se também com essas mesmas questões. Para resolvê-las eles acreditavam ser suficiente utilizar os métodos de análise reflexiva ou especulação dedutiva. Suas conclusões eram baseadas em idéias e não em fatos. Há duas correntes filosóficas principais que explicam de modo distinto o problema do conhecimento: o Empirismo e o Racionalismo.
Os empiristas admitem que a mente da criança ao nascer é uma "tábula rasa" na qual as experiências exteriores vão se inscrevendo progressivamente. O conhecimento é, pois uma simples cópia da realidade. Eles admitem que o conhecimento provém de uma informação sensorial, transmitida do exterior para o interior do sujeito, através dos sentidos. As idéias e conceitos teriam origem na experiência sensível e o sujeito teria um papel muito insignificante em sua aquisição. A mente da criança seria uma espécie de cera virgem na qual as impressões captadas através dos sentidos seriam progressivamente impressas.
O pressuposto básico do Empirismo é o de que "nada há na inteligência que não tenha passado, antes, pelos sentidos". De acordo com esse pressuposto o processo de aquisição do conhecimento é explicado por D. Hume da seguinte maneira: Primeiro uma impressão fere nossos sentidos e nos faz perceber o calor ou o frio...Dessa impressão, o espírito tira uma cópia que persiste depois que cessou a impressão que é chamada idéia.
Captando várias impressões a mente extrairia o que há de comum entre elas, chegando à "abstração". Neste sentido a percepção propicia um registro puro e imediato do real e o conhecimento nada mais é do que uma cópia da realidade que aí está.
Os procedimentos pedagógicos decorrentes desta maneira de encarar o processo de aquisição do conhecimento consistem em oferecer dados sensíveis à percepção e à observação dos alunos, para que eles cheguem à abstração.Com o objetivo de provocar impressões na mente dos alunos, a pedagogia empirista limita-se em apresentar objetos, figuras, filmes, experimentos, etc. por meio de demonstrações feitas perante a classe. O professor realiza a atividade e os alunos acompanham a demonstração que lhes é feita representando mentalmente as ações que se passam diante de seus olhos. Nesse processo, eles são apenas meros espectadores, algumas vezes interessados, outras vezes indiferentes ou completamente ausentes. O professor explica um determinado assunto, valendo-se de figuras, esquemas, filmes, na tentativa de gravar na mente do aluno uma noção ou uma espécie de impressão agora não mais sensível, mas intelectual. Desta forma, a aprendizagem consiste em "tirar uma cópia" da explicação dada pelo professor. Outras vezes o professor se vale de perguntas com o objetivo de conduzir o raciocínio da criança, como se a nova forma de pensar se imprimisse em sua mente e fizesse compreender aquilo que estava sendo ensinado. Um exemplo típico são os "problemas padrões" que a criança aprende a solucionar a partir das perguntas feitas pelo professor, que encaminha o seu raciocínio. O mesmo problema é resolvido inúmeras vezes, substituindo-se os números e os nomes das pessoas, objetos, frutas, etc. Sua estrutura porém permanece a mesma. Outro problema padrão só será ensinado, quando o raciocínio do anterior tiver sido fixado.
Os procedimentos didáticos baseados na doutrina empirista, trabalham isoladamente com cada noção, para que essas não sejam confundidas umas com as outras pela criança. Em Língua Portuguesa, por exemplo, estuda-se primeiramente o sujeito e em seguida, um a um, os outros elementos que formam uma oração. Ao isolar artificialmente as coisas que deveriam ser relacionadas, tais procedimentos impedem a criança de compreender, obrigando-a a recorrer à memorização.
Ao longo de muitos anos, temos observado esse fato, com relação à prática da alfabetização em nossas escolas. O uso de uma cartilha, previamente elaborada pelo adulto para ser apresentada e utilizada pelas crianças, baseia-se em pressupostos empiricistas.
Por outro lado, os racionalistas admitem a existência de "idéias inatas" ou conceitos "a priori" anteriores à experiência que lhes propicia apenas a oportunidade de se manifestarem. De acordo com essa corrente epistemológica as noções de número, espaço, tempo, causalidade, etc. são pré-formadas no sujeito e não são elaboradas em função da experiência. Essas categorias do pensamento ou "formas", ou ainda, "estruturas do pensamento" são inatas e se impõem à experiência na qualidade de condições prévias do conhecimento. É aplicando essas categorias ou estruturas à experiência, que o sujeito organiza e conhece a realidade.
A interpretação racionalista acentua o papel do sujeito no processo de aquisição do conhecimento em detrimento do papel da informação captada por meio dos sentidos. O raciocínio dedutivo é o melhor meio de se atingir a verdade uma vez que os nossos sentidos podem nos enganar freqüentemente.
No processo ensino aprendizagem a ênfase é colocada sobre a simples transmissão de verdades do professor ao aluno, sem que haja preocupação com as idéias espontâneas que a criança possa ter sobre o que está sendo ensinado. Via de regra, o professor pensa que o aluno aprendeu o conteúdo, quando responde corretamente a pergunta que lhe foi feita.
O princípio pedagógico mais comum decorrente da interpretação racionalista se reflete nos métodos que se fundamentam na idéia de que para ensinar basta que o professor enuncie um fato ou um princípio e que para ter aprendido é suficiente que o aluno seja capaz de repeti-lo. O aluno assume, portanto, o papel de simples receptor conformista das verdades proclamadas pelo professor. Esses métodos são utilizados em todos as fases da escolaridade desde a educação infantil até a universidade.
Os procedimentos pedagógicos que se fundamentam na interpretação racionalista, negligenciando o papel das constatações empíricas, como se elas fossem desnecessárias para o raciocínio dedutivo, se atém à linguagem como a fonte principal da aquisição dos conhecimentos.
Piaget se opõe ao Empirismo e ao Racionalismo e propõe uma terceira explicação que engloba as duas anteriores.
PIAGET E O EMPIRISMO
As constatações empíricas de Piaget sobre a gênese dos conhecimentos demonstram a insuficiência da interpretação "empirista" da experiência. Isso não quer dizer que Piaget negue a importância do papel da experiência na construção dos conhecimentos. Ao contrário, o que Piaget questiona é o fato de o Empirismo considerar a percepção como fonte do conhecimento.
Para ele nenhum conhecimento é devido unicamente às percepções pois eles são sempre dirigidos e enquadrados pelos esquemas de ações. O conhecimento procede da ação e toda ação que se repete ou se generaliza pela aplicação a novos objetos dá origem a um "esquema", isto é, uma espécie de conceito prático.
De acordo com a perspectiva construtivista, o "estímulo" proveniente do meio exterior só sensibiliza o sujeito e desencadeia uma resposta quando seus esquemas de ação podem interpretá-lo ou assimilá-lo. A resposta dada pelo sujeito é pois manifestação da ocorrência da assimilação. Em outras palavras, os estímulos somente são significativos quando o sujeito dispõe de "conceitos práticos" (esquemas de ação) ou estruturas mentais capazes de conferir-lhes significação. Como diz Piaget (1979, p.53):
A ligação fundamental constitutiva de todo conhecimento não é uma simples associação entre os objetos, pois esta noção negligencia a parte da atividade devida ao sujeito, mas sim a assimilação dos objetos aos esquemas deste sujeito.
Esta assimilação prolonga a assimilação biológica e deve ser entendida como integração de estímulos ou informações aos esquemas de ação ou estruturas mentais do sujeito. Do mesmo modo, no nível biológico o organismo integra os elementos do meio exterior às suas estruturas. Funcionalmente, a assimilação cognitiva e a assimilação biológica constituem um mesmo processo de integração. Por outro lado, quando os objetos são assimilados aos esquemas de ação há necessidade de uma "acomodação", isto é, de uma modificação, de um ajustamento desses esquemas às particularidades desses objetos para que possam ser assimilados. Esta "acomodação" é desencadeada pelos dados exteriores, resultando, portanto, da experiência. Isto significa que a experiência não provoca simplesmente o puro registro de impressões ou a cópia da realidade, mas desencadeia modificações", "ajustamentos" ativos. Mas a "acomodação" não existe isoladamente ou em estado "puro" porque ela é sempre acomodação de um esquema de ação. Para Piaget é a assimilação que constitui o motor do "ato cognitivo". Em outras palavras, o conhecimento se dá quando o objeto é assimilado (incorporado, integrado) aos esquemas ou estruturas mentais do sujeito.
Piaget chama de "esquema de ação" aquilo que numa ação é generalizável, transponível de uma situação para outra análoga, ou seja, o que há de comum nas diversas repetições ou aplicações de uma mesma ação, como, por exemplo, o "pegar", o "sugar". Os esquemas de ação têm origem nos reflexos com os quais o indivíduo nasce, mas constroem-se pouco a pouco e se diferenciam a partir de sucessivas acomodações em função da experiência. Isso não significa, porém, que os esquemas progressivamente construídos resultam exclusivamente da experiência. Se assim fosse, o Empirismo teria razão. As construção dos esquemas não pode ser atribuída inteiramente a ação do meio exterior pois isso seria negligenciar sua organização interna. É evidente que o conteúdo de cada esquema de ação depende em parte do meio e dos objetos ou acontecimentos aos quais se aplica, mas sua forma e funcionamento depende de fatores internos. Em primeiro lugar as ações dependem do sistema nervoso, o qual é herdado; em segundo lugar os esquemas derivam sempre de esquemas anteriores cuja origem remonta aos reflexos ou movimentos espontâneos iniciais; em terceiro lugar, um esquema admite sempre ações do sujeito que não derivam das propriedades dos objetos. Por exemplo, reunir objetos para formar um monte depende de um esquema aditivo que por sua vez implica a capacidade do sujeito e não as propriedades desses objetos. O ato de reuni-los e enumerá-los é do sujeito e não resulta das propriedades particulares desses objetos. Dispor de objetos de modo a formar uma fileira consiste em introduzir uma ordem nesses objetos e não tirá-la deles.
Pode-se concluir, portanto, que na construção dos esquemas de ação que possibilitam ao sujeito o conhecimento da realidade, interferem fatores externos e internos que estão presentes nos mecanismos de assimilação e acomodação.
Tais mecanismos são observados desde o nascimento e se encontram em todos os níveis de evolução do pensamento. É por meio deles que o sujeito se adapta ao mundo e conhece a realidade. O conhecimento dessa realidade não resulta de um puro registro ou de uma simples cópia, uma vez que os estímulos do meio são transformados pelos esquemas de ação do sujeito. Neste ato de transformação o sujeito interpreta o "estímulo" , "o objeto", de acordo com os esquemas assimilativos que possui. No "ato de conhecer" o sujeito é ativo pois constrói suas próprias categorias do pensamento ao mesmo tempo que estrutura a realidade por intermédio das ações que realiza sobre os objetos.
PIAGET E O RACIONALISMO OU PRÉ-FORMAÇÃO
Piaget se opõe ao pré-formismo, uma vez que constatou durante mais de sessenta anos de pesquisas sobre a psicogênese dos conhecimentos a existência de estágios que comprovam uma construção contínua. Assim é que dos 0 a 2 anos, no estágio sensório-motor em que não há ainda nem pensamento, nem representação, nem linguagem, observa-se a progressiva construção de esquemas de ação por meio dos quais a criança conhece o mundo. Esses esquemas se organizam segundo certas leis que são semelhantes às leis da lógica. Neste sentido, quando o sujeito impõe um objetivo à ação, é contraditório orientar-se para direção oposta (por exemplo, quando um objeto foi escondido sob uma almofada "B" e o bebê o procura na almofada "A" onde o viu desaparecer primeiro). Há nesse estágio uma "lógica das ações" (relações de ordem, encaixe de esquemas, intersecção, correspondências entre esquemas) que permite a construção de noções práticas (permanência do objeto, espaço, causalidade e tempo) que constituem as subestruturas das noções correspondentes que serão reconstruídas nos estágios subseqüentes. De 2 a 7 anos, aproximadamente, ocorre a interiorização das ações até então puramente perceptivas e motoras. Surge a representação, a linguagem e as noções do objeto, espaço, causalidade e tempo são agora reconstruídas no plano das intuições, permitindo à criança a manipulação simbólica da realidade. Não há ainda operações reversíveis nem conservações. Progressivamente as ações interiorizadas vão se coordenando em estruturas totais (agrupamentos) e se transformam em operações, cujas características principais são a mobilidade e a reversibilidade. Estas se constroem no estágio das operações concretas (7 - 10 anos),assim denominado porque tais operações permanecem ligadas à manipulação de objetos concretos. Finalmente por volta dos 11 - 12 anos tem-se o estágio das operações formais que permitem ao sujeito formular hipóteses e raciocinar sobre proposições verbais destacadas da constatação concreta e atual. As estruturas que agora se constroem representam um arremate final das estruturas operatórias concretas tornando possível o raciocínio hipotético dedutivo.
PIAGET E O CONSTRUTIVISMO
A interpretação piagetiana do processo de aquisição do conhecimento representa uma posição intermediária entre o apriorismo e o empirismo. Para ele o conhecimento é o resultado da interação entre o sujeito e o objeto do conhecimento, a qual poderá ser representada como se segue:
Nesse tipo de interação não há primazia do objeto sobre o sujeito, nem deste sobre o objeto. Ao contrário da tese empirista sobre a preponderância do meio (objeto) e da tese racionalista que supõe que o papel principal seja representado pelo sujeito no ato de conhecer, Piaget faz apelo à interação indissociável entre ambos no ato do conhecimento. Para conhecer um objeto o sujeito precisa agir sobre ele, transformá-lo, dissociá-lo para depois integrá-lo às estruturas de pensamento ou a seus esquemas de ação. Isso supõe os processos de assimilação e acomodação porque à medida que o objeto vai sendo incorporado às estruturas do sujeito, estas devem acomodar-se, isto é, modificar-se a fim poderem assimilar o dado novo. Neste contexto, o ato de conhecer é um fato dinâmico que resulta do diálogo entre as estruturas do sujeito e as do objeto e no qual o sujeito é o protagonista de seu próprio conhecimento.
Como se pode observar a ação é fundamental para a construção do conhecimento. Um outro aspecto que Piaget (1977) considera também fundamental para a construção do conhecimento é a interação social que possibilita ao sujeito coordenar seu ponto de vista com os de seus pares. Sem a interação social jamais o indivíduo chegaria a raciocinar com lógica, em outras palavras, sem intercâmbio de pensamento e cooperação com os demais o indivíduo não conseguiria chegar ao pensamento operatório que implica na transformação das representações intuitivas em operações reversíveis, idênticas e associativas.
As implicações pedagógicas da teoria piagetiana à educação são inúmeras. É importante ressaltar aquelas que o próprio Piaget extrai de sua teoria como faz Munari (1995) em seu artigo intitulado: Jean Piaget.
Piaget em seus ’Discursos’ não se preocupa em explicitar suas opiniões. De início ele enunciou uma regra fundamental: o constrangimento é o pior dos métodos pedagógicos (Piaget, 1848, p.22). Uma outra regra tão fundamental e que ele expõe várias vezes, é a importância da atividade do aluno. Uma verdade aprendida não é senão uma meia verdade, a verdade inteira deve ser reconquistada, reconstruída, redescoberta pelo próprio aluno (Piaget, 1950,p.35) Esse princípio educativo repousa, para Piaget, numa realidade psicológica indiscutível: Toda psicologia contemporânea nos ensina que a inteligência procede da ação (Ibid). Daí o papel fundamental que o exercício da pesquisa deve ter em toda estratégia educativa; mas esta pesquisa não deve ser abstrata. A ação supõe as pesquisas prévias e a pesquisa não tem valor senão em vista da ação (Piaget, 1951, p.28).
Uma escola sem coercitividade, na qual o aluno é convidado a experimentar ativamente para reconstruir por si mesmo o que deve aprender. Vemos já traçado o esboço do projeto educativo piagetiano. Mas atenção: não se aprende a experimentar vendo simplesmente o mestre experimentar ou se entregando aos exercícios já totalmente organizados: não se aprende a experimentar senão tateando por si mesmo, trabalhando ativamente, isto é, livremente e dispondo de todo tempo (Piaget, 1949, p.39).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AEBLI, H. Didática Psicológica: aplicação à didática da psicologia de Jean Piaget. Trad. por João Teodoro d’Olim Marote. 3ªed.,São Paulo: Editora Necional, 1978.
PIAGET, J. Psicologia da Inteligência. Trad. por Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1977.
___________. Para Onde Vai a Educação? Trad. por Yvette Braga. Rio de Janeiro: Livraria José Olimpo Editora, 1993.
MUNARI, A. Jean Piaget, in Construtivismo e Educação. Orgs. Mucio Camargo de Assis e Orly Z. Mantovani de Assis, Laboratório de Psicologia Genética, FE/UNICAMP, 1995.
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O tempo e o desenvolvimento intelectual da criança
Jean Piaget
O desenvolvimento da criança é um processo temporal por excelência. Eu me esforçarei em fornecer alguns dados necessários para a compreensão desse problema.
Mais precisamente, me reterei em dois pontos: o primeiro deles é o papel necessário do tempo no círculo vital. Todo desenvolvimento - psicológico como biológico - supõe a duração, e a infância dura tanto mais quanto mais superior for a espécie; a infância de um gato, a infância de um pato duram muito menos do que a infância da criança porque ela tem muito mais coisa para aprender. É o que me esforçarei em demonstrar aqui.
Existe um segundo ponto que também gostaria de tratar, formulado pela questão: O ciclo vital exprime um ritmo biológico fundamental, uma lei inelutável? A civilização o modifica, e em que medida? Dito de outra forma, existem possibilidades de aceleração ou de diminuição desse desenvolvimento temporal?
Para tratar esses dois pontos, só considerarei o desenvolvimento propriamente psicológico da criança, em oposição a seu desenvolvimento escolar ou a seu desenvolvimento familiar, quer dizer que insistirei principalmente no aspecto espontâneo desse desenvolvimento, e ainda o limitarei ao desenvolvimento propriamente intelectual, cognitivo.
Para efeito, podemos distinguir dois aspectos no desenvolvimento intelectual da criança. Por um lado, o que podemos chamar o aspecto psico-social, quer dizer tudo o que a criança recebe do exterior, aprende por transmissão familiar, escolar, educativa em geral; e depois, existe o desenvolvimento que podemos chamar espontâneo, que chamarei psicológico, para abreviar, que é o desenvolvimento da inteligência mesma: o que a criança aprende por si mesma, o que não lhe foi ensinado, mas o que ela deve descobrir sozinha; e é isso essencialmente que leva tempo.
Tomemos imediatamente dois exemplos: Numa coleção de objetos, por exemplo, um ramo de flores onde existem seis prímulas e seis flores que não são prímulas, descobrir que existem mais flores que prímulas, que o todo ultrapassa a parte. Isso parece tão evidente que ninguém tem idéia de ensinar a uma criança. Entretanto, como veremos, serão necessários vários anos para que a criança descubra leis desse gênero.
Outro exemplo banal: a transitividade. Se uma vareta, comparada a uma outra, é igual a essa outra, e se essa segunda é igual a uma terceira, será que a primeira- que escondi debaixo da mesa - é igual à terceira? .Será que A é igual a C, se A é igual a C? Novamente, isso é de uma evidência total para nós termos a idéia de ensinar isso a uma criança. Ora, serão necessários mais ou menos sete anos, como veremos, para que a criança descubra leis lógicas dessa forma.
Logo é, sobre o aspecto espontâneo da inteligência que estudarei, sendo o único do qual falarei, porque sou psicólogo e não educador; e também, porque do ponto de vista da ação do tempo, é precisamente esse desenvolvimento espontâneo que constitui a condição preliminar evidente e necessária para o desenvolvimento escolar, por exemplo.
Nas escolas de Genebra, é aos 11 anos somente que começamos a ensinar a noção de proporção aos alunos. Por que não começamos mais cedo? É evidente que se a criança pudesse compreendê-la mais cedo, os programas escolares teriam situado a iniciação, às proporções na idade de 9 ou mesmo de 7 anos. Se é necessário esperar 11 anos, é porque essa noção supõe todas as espécies de operações complexas. Uma proporção é um produto entre produtos. Para compreender um produto de produtos, é necessário compreender primeiramente o que é um produto; é necessário constituir primeiramente toda a lógica das relações aplicar depois essa lógica das relações à lógica dos números. Existe aí um amplo conjunto de operações que permanecem implícitas, que não distinguimos na primeira abordagem e que estão encobertas sob essa noção de proporção. Esse exemplo mostra entre cem outros possíveis como o desenvolvimento psico-social está subordinado ao desenvolvimento espontâneo e psicológico.
Logo, eu me limitarei ao desenvolvimento psico-social e partirei de antemão de um exemplo concreto. Trata-se de uma experiência que realizamos há muito tempo em Genebra e que é a seguinte: Apresenta-se a uma criança duas bolinhas de massa de modelar, de 3 ou 4 centímetros de diâmetro. A criança verifica que elas têm o mesmo volume, o mesmo peso, que elas são parecidas em tudo, e pede-se à criança para transformar em cobrinha uma das bolinhas, ou para amassá-la, ou para dividi-la em pequenos pedaços. Depois, você faz três perguntas.
Primeira pergunta: será que a quantidade de matéria permaneceu a mesma ?
Naturalmente, você empregará a linguagem da criança; você dirá por exemplo: será que existe a mesma quantidade de massa já que mudamos a bolinha em cobrinha? Ou: há mais ou menos massa que antes?
Quantidade de matéria, conservação da matéria... Coisa extraordinária, somente aos 8 anos em média esse problema é resolvido, por 75% das crianças. Isso é pois uma média. Se você fizer a experiência com seus próprios filhos, você terá naturalmente uma idade mais precoce porque seus filhos estão certamente adiantados com relação à média. Mas para a média, é aos 8 anos. ..
Segunda pergunta: será que o peso permaneceu o mesmo?
E você apresenta e ela uma pequena balança. Se eu coloco a bolinha num prato e no outro a cobrinha, sabendo que a cobrinha saiu da bolinha por uma simples mudança de forma, será que o peso vai ser o mesmo?
A noção de conservação do peso só é adquirida aos 9 ou 10 anos por 75% das crianças, quer dizer com dois anos de diferença com relação à aquisição da noção de substância.
Terceira pergunta: será que o volume permaneceu o mesmo?
Para o volume, como a linguagem é difícil, você empregará um processo indireto. Você vai mergulhar a bolinha num copo d'água; constatar que a água sobe, porque a bolinha ocupará seu lugar.Você perguntará depois se a cobrinha mergulhada no copo d'água vai tomar o mesmo lugar, quer dizer, fará subir a água da mesma maneira.
Esse problema só é resolvido aos 12 anos, quer dizer que existe novamente uma diferença de dois anos com relação à solução do problema da conservação do peso.
Vejamos rapidamente os argumentos dos que não têm a noção da conservação ou da substância, ou do peso, ou do volume. O argumento é sempre o mesmo. A criança dirá: antes, era redondo, depois você afinou a massa. Desde que você a afinou, ela tem mais. A criança olha uma das dimensões, ela esquece a outra; o que é marcante nesse raciocínio, é que ela considera a configuração da partida, a configuração da chegada, mas não raciocina sobre a transformação mesma. Ela esquece que uma coisa foi transformada em outra; ela compara a bolinha inicial com a forma final e responde: mas não, é mais comprida, portanto tem mais.
Ela descobre depois que é a mesma substância, a mesma quantidade de matéria. Mas dirá: é mais comprida e apesar disso mais pesada - com os dois anos de diferença que falei, e com os mesmos argumentos.
Vejamos quais são os argumentos que permitem chegar à noção da conservação. Eles são sempre os mesmos, em número de três.
Primeiro argumento, que chamarei o argumento de identidade. A criança diz: mas não se tirou nada, não se acrescentou nada; por conseguinte, é a mesma coisa; a mesma quantidade de massa. E aos 8 anos, ela acha tão extraordinário lhe fazermos uma pergunta tão fácil, que sorri, dá de ombros, sem desconfiar que teria dado uma resposta contrária no ano precedente. Logo, ela dirá: é a mesma coisa, porque você não tirou nada, nem acrescentou nada. Mas quanto ao peso, é mais comprido, logo mais pesado. E o argumento precedente retorna.
Segundo argumento: é a reversibilidade. A criança diz: você afinou a massa, você deverá transformá-la em bolinha e você verá que é a mesma coisa.
Terceiro argumento: a compensação. A criança diz: naturalmente se afina terá mais; mas ao mesmo tempo está mais fina. A massa ganhou por um lado, mas perdeu por outro, conseqüentemente isso se compensa, é a mesma coisa.
Esses fatos simples nos permitem fazer imediatamente duas constatações relativas ao tempo, distinguindo no tempo dois aspectos fundamentais: por um lado a duração, depois a ordem de sucessão dos acontecimentos por outro, a duração não sendo senão o intervalo entre as ordens de sucessão.
1º Primeiramente o tempo é necessário como duração. É necessário esperar 8 anos para a noção de conservação da substância; 10 anos para a do peso, e isso em 75% dos indivíduos. E nem todos os adultos adquirirão a noção da conservação do peso. Spencer, no seu Tratado de Sociologia, conta a história de uma senhora que viajava com mais mala comprida de preferência a uma mala quadrada, porque pensava menos que os vestidos dobrados na mala quadrada.
Quando ao volume, é necessário esperarmos 12 anos, Isso não é especial em Genebra. Essas experiências que fizemos entre 1937 e 1940 em Genebra foram retomadas na França, na Polônia, na Inglaterra, nos Estados Unidos, no Canadá, no Irã e mesmo em Aden, nas margens do mar Vermelho, e em todos os lugares encontramos esses estágios. Mas em média não encontramos nenhum adiantamento com relação a nossos pequenos genebreses que estão mesmo numa posição honrosa, como veremos. Quer dizer que essa é uma idade mínima, exceto naturalmente em alguns meios sociais selecionados, por exemplo escolas de bem dotados.
Podemos acelerar tal evolução pela aprendizagem? É a questão que se colocou um dos nossos colaboradores - um psicólogo norueguês, Jan Smerdslund - em nosso Centro de Epistemologia Genética. Ele se esforçou em acelerar a aquisição da noção da conservação do peso mediante uma certa aprendizagem - no sentido americano do termo - quer dizer por reforço externo, por leitura do resultado na balança, por exemplo. Mas é necessário compreendermos que essa aquisição da noção de conservação supõe toda uma lógica, todo um raciocínio que se dirija às transformações mesmas, e por conseguinte sobre a noção de reversibilidade, essa reversibilidade que a criança mesma invoca quando atinge a noção de conservação. Depois principalmente, essa noção de conservação supõe a transitividade; um estado A da bolinha sendo igual a um estado B, estado B sendo igual a um estado C, o estado A será igual ao estado C, o estado A será igual ao estado C. Existe correlação entre essas diversas operações. Smerdslund começou por verificar essa correlação muito significativa, com relação aos assuntos estudados, entre a noção de conservação por um lado e a de transitividade por outro. Depois ele se dedicou a essa experiência de aprendizagem, quer dizer que ele mostrou à criança, depois de cada resposta, o resultado na balança, fazendo com que ela constatasse que o peso era o mesmo. Depois de duas ou três vezes, a criança repetiu constantemente: será sempre o mesmo peso, será de novo o mesmo peso, etc.
Haverá assim aprendizagem do resultado. Mas o que é interessante, é que essa aprendizagem do resultado se limita a esse resultado, quer dizer que quando Smerdslund passou para a aprendizagem da transitividade (o que é um outro aspecto, a transitividade fazendo parte da estrutura lógica que conduz a esse resultado), ele não pôde obter aprendizagem com relação a essa transitividade, apesar das constatações repetidas na balança de A = C, A = B e B = C, Logo existe uma diferença entre aprender um resultado e formar um instrumento intelectual, formar uma lógica, necessária à construção de tal resultado, Não formamos um instrumento de raciocínio em alguns dias. Eis o que prova essa experiência.
2º A outra constatação fundamental que tiraremos desse exemplo das bolinhas de massa é que o tempo é necessário igualmente como ordem de sucessão.
Constatamos que a descoberta da noção de conservação da matéria precede de dois anos a do peso; e a do peso precede ide dois anos a do volume. Essa ordem de sucessão foi encontrada em toda a parte; ela nunca foi invertida, quer dizer que não encontramos um indivíduo que descubra a conservação do peso sem ter a noção da substância, enquanto encontramos sempre o inverso.
Por que essa ordem de sucessão? É que, para que o peso se conserve, é necessário naturalmente um substratum. Esse substratum, essa substância, será a matéria. É interessante observar que a criança começa pela substância, porque essa substância sem peso nem volume não é constatável empírica, perceptivamente; esse é um conceito puro, mas um conceito necessário para atingirmos depois a noção de conservação do peso e do volume.
Logo, a criança começa por essa forma vazia que é a substância, mas ela começa por aí porque sem isso não haveria conservação do peso. Quanto à conservação do volume, trata-se de um volume físico e não geométrico, comportando a incompressibilidade e a indeformabilidade do corpo, o que, na lógica da criança suporá sua resistência, sua massa, e por conseguinte seu peso, pois a criança não distingue o peso e a massa.
Essa ordem de sucessão mostra que, para que um novo instrumento lógico se construa, é preciso sempre instrumentos lógicos preliminares; quer dizer que a construção de uma nova noção suporá sempre substratos, subestruturas anteriores e isso por regressões indefinidas, como veremos dentro em breve.
Isso nos conduz à teoria dos estágios do desenvolvimento. O desenvolvimento se faz por graduações sucessivas, por estágios e por etapas, e distinguiremos quatro grandes etapas nesse desenvolvimento que descreverei brevemente.
Primeiramente, uma etapa que precede a linguagem e que chamaremos a da inteligência sensório-motora, antes dos 18 meses mais ou menos.
Em segundo lugar, uma etapa que começa com a linguagem e que vai até 7 ou 8 anos, que chamaremos o período da representação, mas pré-operatória, no sentido que definirei mais adiante. Depois, entre 7 e 12 anos, mais ou menos, distinguiremos um terceiro período que chamaremos das operações concretas, e, finalmente, depois de 12 anos, as operações proporcionais ou formais.
Distinguiremos pois etapas sucessivas. Observemos que essas etapas, esses estágios são caracterizados precisamente por sua ordem de sucessão fixa. Não são etapas às quais possamos determinar uma data cronológica constante. Pelo contrário, as idades podem variar de uma sociedade à outra, como veremos no fim dessa exposição. Mas a ordem de sucessão é constante. Ela é sempre a mesma, e isso por razões que acabamos de entrever, quer dizer que para atingir um certo estágio, é necessário ter passado por demarches preliminares. É necessário ter construído as pré-estruturas, as subestruturas preliminares que permitem progredirmos mais.
Atingimos pois uma hierarquia de estruturas que se constróem numa certa ordem de integração e que, coisa interessante, parecem aliás se desintegrarem na ordem inversa, no momento da senescência, como os ótimos trabalhos do Dr. Ajuriaguerra e de seus colaboradores parecem mostrar no estado atual dessas pesquisas.
Descrevamos rapidamente esses estágios, com o fim de mostrar por que o tempo é necessário tanto tempo para se atingir noções tão evidentes, tão simples quanto as que tomei como exemplo.
Comecemos pelo período da inteligência sensório-motora. Existe uma inteligência antes da linguagem, mas não existe pensamento antes da linguagem. Distingamos a esse respeito a esse respeito a inteligência e o pensamento. A inteligência é a solução de um problema novo para o indivíduo, é a coordenação dos meios para atingir um certo fim, que não é acessível de maneira imediata; enquanto o pensamento é a inteligência interiorizada e se apoiando não mais sobre a ação direta, mas sobre um simbolismo, sobre a evocação simbólica pela linguagem, pelas imagens mentais etc., que permitem representar o que a inteligência sensório-motora, pelo contrário, vai aprender diretamente.
Existe pois uma inteligência antes do pensamento, antes da linguagem. Tomemos um exemplo. Mostro a uma criança uma coberta; sob essa coberta, e sem que a criança tenha visto, eu escondi uma boina basca. Depois do que, eu mostro à criança um objeto novo para ela, um brinquedo qualquer que ela não conheça, que ela quer pegar; e depois eu o escondo sob a coberta. Num certo nível ela vai levantar a coberta para encontrar o objeto, mas ela não vê o objeto; ela vê somente a boina basca. Imediatamente ela vai levantar a boina basca e encontrar o objeto em questão. Isso parece não ter importância, mas é um ato de inteligência muito complexo. Supõe primeiramente a permanência do objeto. Veremos mais adiante que a noção de permanência não é inata, mas exige pelo contrário meses para ser construída. Ela supõe a localização do objeto - que não é dada logo, porque essa localização supõe por sua vez a organização do espaço. Ela supõe depois relações particulares em cima-embaixo, etc. Existe pois toda uma construção nesse ato de inteligência que parece tão simples. Mas um ato de inteligência dessa espécie pode se construir antes da linguagem e não supõe necessária a representação ou o pensamento.
Por que esse período da inteligência sensório-motora dura tanto tempo, até os 18 meses?
Outra maneira de colocar a mesma pergunta: por que a aquisição da linguagem é tão tardia com relação aos mecanismos invocados? A linguagem às vezes foi reduzida a um puro sistema de condicionamento, de reflexos condicionados. Se tal fosse o caso, haveria aquisição da linguagem desde o fim do primeiro mês, porque já existem os primeiros reflexos condicionados no começo do segundo mês. Por que é necessário esperar 18 meses? Respondemos que a linguagem é solidária do pensamento e supõe pois um sistema de ações interiorizadas e supõe mesmo, cedo ou tardem um sistema de operações. Chamaremos "operações" ações interiorizadas quer dizer executadas não mais material, mas interior e simbolicamente, e ações que podem ser combinadas de todas as maneiras; em particular, que podem ser invertidas, que são reversíveis, no sentido que indiquei há pouco.
Ora, essas ações que consistem o pensamento, essas ações interiorizadas, é necessário aprender primeiramente a executá-las materialmente; elas exigem primeiramente todo um sistema de ações materiais. Pensar, é por exemplo classificar, ou ordenar, ou correlacionar; é reunir, ou dissociar, etc.Mas todas essas operações, é necessário primeiramente executá-las materialmente em ações para em seguida ser capaz de construí-las em pensamento. É por isso que existe um período sensório-motor tão longo antes da linguagem; é por isso que a linguagem é tão tardia, com relação ao desenvolvimento. É necessário um amplo exercício da ação pura para construir as subestruturas do pensamento ulterior .
E durante esse primeiro ano, ela constrói precisamente todas as subestruturas ulteriores: a noção do objeto, a do espaço, a de tempo, sob a forma das seqüências temporais, a noção de causalidade, em suma as grandes noções das quais o pensamento se servirá ulteriormente, e que são elaboradas, empregadas pela ação material, desde seu nível sensório-motor.
Tomemos dois exemplos: 1º) A noção do objeto permanente. Na primeira abordagem, nada é mais simples. O filósofo Meyerson pensava que a permanência do objeto era dada desde a percepção, que não existe meio de perceber um objeto sem julgá-lo permanente. O bebê nos engana a esse respeito. Tomemos um bebê de cinco ou seis meses, depois da coordenação da visão e da preensão, quer dizer quando ele começa a poder segurar os objetos que vê. Mostrem um objeto que lhe interesse, por exemplo, esse relógio. Você o coloca na mesa diante da criança, e ela estende a mão para pegar o objeto.
Você esconde o objeto com um pano, por exemplo. Você verá que a criança retira simplesmente a mão se o objeto não é fundamental para ela, ou se encoleriza se o objeto tem um interesse particular para ela, por exemplo se se trata de sua mamadeira. Mas ela não tem idéia de levantar o pano e procurar o objeto atrás dele. E não é porque ela não saiba remover o pano de cima do objeto. Se você coloca o pano sobre o seu rosto, ela saberá muito bem retirá-lo imediatamente, enquanto não sabe procurar atrás do pano para encontrar o objeto. Logo, tudo se passa como se o objeto, uma vez desaparecido do campo da percepção, tenha sido reabsorvido, tenha perdido toda existência, ainda não tenha adquirido essa substancialidade que vimos há pouco que são necessários oito anos para que atinja à sua propriedade de conservação quantitativa. O mundo exterior é uma série de quadros movediços que aparecem, desaparecem, donde os mais interessantes podem reaparecer quando se procede desajeitadamente (por exemplo, dando gritos com muita continuidade se trata de uma pessoa cujo retorno é desejado). Mas esses são apenas quadros movediços sem substancialidade, sem permanência e, principalmente, sem localização.
Segunda etapa: você verá a criança levantar o pano para encontrar o objeto escondido atrás dele. Mas o controle seguinte mostra que tudo não foi adquirido para isso. Você coloca o objeto na direita da criança, depois o esconde, ela vai procurá-lo; depois você o apanha novamente, passa lentamente com ele sob os olhos da criança e coloca à sua esquerda (trata-se dessa vez de um bebê de 9 -10 meses). O bebê tendo visto desaparecer o objeto à sua esquerda, você verá imediatamente sua busca na direita, onde ele o encontrou uma primeira vez. Não há pois aqui senão uma semi-permanência, sem localização. A criança vai procurar onde a ação de procurar teve êxito numa primeira vez, e independentemente da mobilidade do objeto.
2º) O que acontece com o espaço?
Aí, novamente, vemos que nada é inato nas estruturas e que tudo deve ser construído pouco a pouco e laboriosamente. No que concerne ao espaço, todo o desenvolvimento sensório-motor é particularmente importante e interessante do ponto de vista da psicologia da inteligência. Com efeito, no começo, no recém-nascido não existe um espaço como continente, pois não existe objeto (inclusive o corpo próprio que não é naturalmente concebido como um objeto). Existe uma série de espaços heterogêneos uns aos outros, e todos centrados sobre o corpo próprio. Existe o espaço bucal. descrito por Stem. A boca é o centro do mundo durante muito tempo, Freud disse muitas coisas a esse respeito. Depois existe o espaço visual; existe o espaço táctil, existe o espaço auditivo. E esses espaços são todos centrados sobre o corpo próprio por um lado, a ação de olhar, de seguir com os olhos, a ação de levar algo à boca, etc., mas são incoordenados entre eles. Logo uma série de espaços egocêntricos, poder-se-ia dizer, mão coordenados e não compreendendo o corpo próprio a título de elemento num continente.
Enquanto dezoito meses mais tarde, essa mesma criança terá a noção de um espaço geral que engloba todas essas variedades particulares de espaços, compreendendo todos os objetos tornados sólidos e permanentes, inclusive o corpo próprio, a título de objeto entre os outros, os deslocamentos se coordenando e podendo se deduzir a se prever relativamente aos deslocamentos próprios.
Dito de outra forma, durante esses dezoito meses não é exagero falar de uma revolução coperniciana (no sentido kantiano do termo). Existe aí uma reviravolta total, uma descentralização total com relação ao espaço egocêntrico primitivo.
Já me estendi bastante para demonstrar que dezoito meses são muito pouco para construir tudo isso, e que na realidade esse desenvolvimento é singularmente acelerado durante o primeiro ano. É talvez o período da infância em que as aquisições são mais numerosas e mais rápidas.
Passo agora para o período da representação pré-operatória. Por volta de um ano e meio, dois anos, um acontecimento considerável se produz no desenvolvimento intelectual da criança. É agora que aparece a capacidade de representar alguma coisa, o que chamamos a função simbólica. A função simbólica é a linguagem, por um lado, sistema de sinais sociais em oposição aos símbolos individuais. Mas ao mesmo tempo que existe essa linguagem, existem outras manifestações da função simbólica. Existe o jogo que se torna simbólico: representar alguma coisa por meio de um objeto ou de um gesto. Até então, o jogo não era senão um jogo de exercícios motores, enquanto que por volta de um ano e meio por exemplo, a criança começa a jogar .Um dos meus filhos fazia circular uma concha sobre uma caixa dizendo: "Miau, porque um pouco antes tinha visto um gato no muro. O símbolo era evidente nesse caso, a criança não tendo outra palavra à sua disposição. Mas o que é novo, é representar alguma Terceira forma de simbolismo: pode ser um simbolismo gestual, por exemplo na "imitação indireta".
Quarta forma: será o começo da imagem mental ou imitação interiorizada.
Existe pois um conjunto de simbolizantes que aparecem nesse nível e que tornam possível o pensamento, o pensamento sendo, repito, um sistema de ação interiorizada e conduzindo a essas ações particulares que chamaremos "operações", ações reversíveis e ações se coordenando umas com as outras em sistemas de conjunto, dos quais falaremos dentro em breve.
Apresenta-se aqui uma situação que suscita da maneira mais aguda o problema do tempo. Por que as estruturas lógicas, por que as operações reversíveis que acabamos de caracterizar, por que a noção de conservação que falamos há pouco, não aparecem desde que haja linguagem e desde que haja função simbólica? Por que é necessário esperarmos oito anos para adquirir a invariante de substância, e muito mais para as outras noções em vez de elas aparecerem desde que haja função simbólica, quer dizer a possibilidade de pensar, e não mais simplesmente de agir materialmente? Por essa razão, fundamental, que as ações que possibilitaram alguns resultados no terreno da efetividade material não podem ser interiorizadas sem mais e de uma maneira imediata, e que se trata de reaprender no plano do pensamento o que já aprendemos no plano da ação. Essa interiorização é na realidade uma nova estruturação; é não apenas uma tradução, mas uma reestruturação, com uma decalagem que toma um tempo considerável.
Darei um exemplo: é o grupo dos deslocamentos que, na organização sensório-motora do espaço, constitui um resultado final fundamental. O que os geômetras chamam um grupo de deslocamentos, é por exemplo que a criança se toma capaz, circulando em seu apartamento ou em seu jardim quando souber andar, de coordenar suas idas e vindas, de retomar ao ponto de partida - é a reversibilidade - ou de fazer desvios para chegar a um mesmo ponto por caminhos diferentes - será a associatividade do grupo dos deslocamentos. Em suma, ela vai coordenar seus deslocamentos num sistema total que permite a volta ao ponto de partida.
Ora, esse grupo dos deslocamentos é adquirido desde um ano e meio mais ou menos, no plano sensório-motor. Mas isso significa que o bebê sabe se representar por imagem mental, ou por desenho, ou pela linguagem, os deslocamentos que ele sabe efetuar materialmente? Absolutamente. Porque se deslocar é uma coisa e outra diferente evocar pela representação os mesmos deslocamentos.
Realizamos outrora, com minha colaboradora Szeminska, uma experiência cheia de interesse para nós, em crianças de 4 a 5 anos que, numa época em que tinha menos tráfego em Genebra, iam sozinhas de casa para a escola e voltavam sozinhas da escola para casa, duas ou quatro vezes por dia. Tentamos representar o trajeto que elas seguiam entre a escola e a casa não por desenhos, porque teria sido muito complicado, nem pela palavra, o que teria sido mais difícil ainda, mas por meio de um pequeno jogo de construção. Tínhamos uma fita azul para Arve, um papelão verde para a planície de Plainpalais, representamos a igreja do fim da planície, o Palácio das Exposições, etc., e a criança devia localizar os diferentes edifícios com relação à escola. Bem, essas crianças de 4 e 5 anos sabiam seguir o caminho para ir à escola mas não podiam representá-lo; elas tinham de qualquer modo uma representação motora. A criança dizia: Eu saio de minha casa, eu vou assim (gesto), depois assim (gesto), depois eu faço uma volta assim, depois chego à escola.
Mas colocar edifícios e fazer o caminho, é outra coisa. Uma coisa é sair de um aperto numa cidade estrangeira onde acabamos de chegar e aí se reencontrar depois de alguns dias, outra coisa é evocar sua topografia, se não temos um mapa da cidade à nossa disposição. Que uma mesma ação seja executada materialmente ou evocada em pensamento não se trata na realidade da mesma ação. O desenvolvimento não é linear: é necessário uma reconstrução. O que explica que haja todo adquirido no nível sensório-motor não pode ser continuado sem mais, mas deve ser reelaborado no nível da representação, antes de atingir essas operações e conversações que falamos há pouco.
Chego agora ao nível das operações concretas, por volta de 7 anos em média em nossas civilizações. Mas veremos que existem atrasos ou adiantamentos devido à ação da vida social. Por volta de 7 anos, constatamos uma modificação fundamental no desenvolvimento da criança. Ela se toma capaz de uma certa lógica; ela se torna capaz de coordenar operações no sentido da reversibilidade, no sentido do sistema de conjunto do qual darei um ou dois exemplos agora. Esse período coincide com o começo da escola primária. Aqui novamente penso que é o fator psicológico que é decisivo. Se esse nível das operações concretas fosse mais precoce, poderíamos fazer começar a escola primária mais cedo. Ora, isso não é possível antes que tenha sido atingido um certo nível de elaboração de que tentarei dar agora as características.
As operações do pensamento, observemos imediatamente, não são idênticas nesse nível, ao que é nessa lógica para nós, ou ao que se tomará a lógica do adolescente. A lógica do adolescente - e nossa lógica - é essencialmente uma lógica do discurso. Quer dizer que somos capazes - e o adolescente se torna capaz desde 12 ou 15 anos - de raciocinar sobre enunciados verbais, proposicionais; somos capazes de manipular hipóteses, de raciocinar a partir do ponto de vista de um outro, sem acreditar nas proposições sobre as quais raciocinamos. Somos capazes de manipulá-las de uma maneira formal e hipotético-dedutiva.
Essa lógica, veremos, leva ainda muito tempo para se construir. Antes dessa lógica, é necessário passar por um estágio preliminar, e é o que chamarei o período das operações concretas. Esse período preliminar é o de uma lógica que não se dirige a enunciados verbais, mas que diz respeito aos objetos mesmos, os objetos manipuláveis. Será uma lógica das classes, porque podemos reunir os objetos juntos ou em classes; ou será uma lógica das relações porque podemos combinar os objetos seguindo suas diferentes relações; ou será uma lógica dos números porque podemos contá-los materialmente, manipulando os objetos; mas se for uma lógica das classes, relações e números, ainda não será uma lógica das proposições. E entretanto, tratamos com uma lógica, no sentido em que pela primeira vez, estamos em presença de operações propriamente ditas, enquanto possam ser invertidas - como por exemplo a adição que é a mesma operação que a subtração, mas no sentido inverso. E depois, é uma lógica no sentido em que as operações estão coordenadas, agrupadas em sistemas de conjunto, que têm suas leis como totalidades. E é necessário insistir com bastante ênfase sobre a necessidade dessas estruturas de conjunto para a elaboração do pensamento.
Por exemplo, um número não existe no estado isolado. O que é representado, é a sucessão tios números, quer dizer um sistema organizado que é a unidade mais a unidade, e assim sucessivamente. Uma classe lógica, um conceito não existem no estado isolado. O que é representado é o sistema total que chamaremos uma classificação. Assim também, uma relação de comparação "maior que" não existe no estado isolado; é uma parte de uma estrutura de conjunto que chamaremos a seriação, que consiste em ordenar os elementos seguindo a mesma relação.
São essas estruturas que se constróem a partir de 7 anos, e é a partir desse momento que as noções de conservação se tomam possíveis.
Tomemos dois exemplos dessas estruturas de conjunto:
1º A seriação. Você dá à criança uma série de varinhas de diferentes tamanhos e você lhe pede para ordená-las da menor até a maior. Naturalmente, a criança saberá fazer isso antes dos 7 anos, mas de uma maneira empírica, quer dizer por tateamentos, o que não é uma operação lógica. Enquanto a partir dos 7 anos, a criança se toma capaz de um sistema. Ela vai comparar os elementos entre eles, até encontrar o menor, que coloca sobre a mesa; depois procurará o menor dos que restam e o colocará ao lado do primeiro; e em seguida o menor de todos os que restam e o colocará ainda ao lado do segundo. Cada elemento sendo maior que todos os que já estavam na mesa e menor do que os que restavam: você vê então um elemento de reversibilidade.
Essa operação, que é modesta, é adquirida por volta dos 7 anos, no plano dos comprimentos. Se você traduz essa operação em termos de pura linguagem, ela se torna muito mais complicada. Nos testes de inteligência de Burt, que são tão ricos em operações lógicas, existe o seguinte teste, que estudei outrora com grande interesse. Trata-se de três meninas que diferem pela cor de seus cabelos, e pede-se para adivinhar qual delas os têm mais escuros. Os de Edith são mais claros que os de Suzana e ao mesmo tempo mais escuros que os de Lili. Qual das três os tem mais escuros? Você vê que é necessário um pequeno raciocínio que não é imediato, mesmo no adulto, para achar que é Suzana e não Lili. Na criança, será necessário esperar 12 anos para que esse problema seja resolvido, porque ele é posto em termos de enunciados verbais. Não existe entretanto nada mais do que a seriação de que falei há pouco, mas uma seriação verbal que é diferente das operações concretas que acabei de descrever .
2º A classificação. Ela só é adquirida por volta de 7-8 anos, se você toma como critério da classificação a inclusão de uma subclasse numa classe, quer dizer a compreensão do fato de que a parte é menor que o todo. Isso pode parecer extraordinário e é entretanto verdadeiro. Você dá à criança flores que compreendem seis prímulas e seis outras flores. Você lhe pergunta: Todas as prímulas são flores? Resposta: Naturalmente. Todas as flores são prímulas? Resposta: Naturalmente que não. Há na mesa mais prímulas ou mais flores? A criança vai olhar dizer: Há mais prímulas: ou: É a mesma coisa, porque tem 6 de um lado e 6 do outro.
- Mas, você me disse que as prímulas são flores. Há mais flores ou mais prímulas?
Bem, as flores, é o que resta depois das prímulas; não é a inclusão da parte no todo, é a comparação de uma parte.
Isso é interessante como sintoma das operações concretas. Observe que com flores, esse problema é resolvido aos 8 anos. Mas se você pergunta sobre animais, a solução vem mais tarde. Você pergunta a uma criança: todos os animais são pássaros? Certamente não. Existem caracóis, cavalos... Todos os pássaros são animais? Certamente.
- Então, se você olha pela janela, existem mais pássaros ou mais animais?
- Eu não sei. Seria preciso orientá-los.
Impossível pois de deduzir a inclusão de subclasses na classe simplesmente pela manipulação de "todos" e de "alguns". E isso provavelmente porque as flores podem ser reunidas em ramos. Existe aí uma operação concreta fácil, enquanto fazer ramos de andorinhas, se torna mais complicado; isso não é manipulável.
Chego enfim às operações formais, por volta de 12 anos e tendo como etapa de equilíbrio 14-15 anos.
Trata-se de uma última etapa, durante a qual a criança se toma capaz de raciocinar e de deduzir, não somente sobre objetos manipuláveis como bastões a serem ordenados, esses numerosos objetos a serem juntados, etc., mas se torna capaz de lógica e de raciocínios dedutivos, sobre hipóteses, sobre preposições. Existe toda uma nova lógica, todo um conjunto de operações específicas que vêm se superpor às precedentes e que podemos chamar a lógica das proposições, Ela supõe com efeito duas características novas muito fundamentais. Primeiramente uma "combinatória", enquanto que até então tudo se fazia passo a passo, por encaixas sucessivos, enquanto a combinatória liga qualquer elemento a outro qualquer. Existe por aí uma característica nova, que repousa, sobre uma espécie de classificações, ou de seriação de todas as seriações. A lógica das proposições suporá, por outro lado, a combinação num sistema único dos diferentes agrupamentos que até então repousavam, seja sobre a reciprocidade, seja sobre a inversão, sobre as diferentes formas de reversibilidade (grupo das quatro transformações: inversão, reciprocidade, correlatividade, identidade). Estamos pois em presença de um acabamento que, em nossas sociedades, só se constata aos 14 ou 15 anos, e que toma tanto tempo porque, para chegar aí, é necessário passar por todas as espécies de etapas das quais cada uma é necessária para a conquista da seguinte.
Até aqui procurei mostrar o papel do tempo no desenvolvimento intelectual da criança. Vou falar agora da outra questão que nos colocamos no começo desse estudo, a saber: trata-se aí de um ritmo inelutável, ou existem variações possíveis da civilização ou sobre efeito das sociedades nas quais a criança vive?
Duas respostas podem ser dadas: a resposta de fato e a resposta de interpretação teórica. Mas as respostas de fato são infelizmente inseparáveis da interpretação teórica, porque um fato não é nada em si mesmo se não for interpretado e a interpretação aqui é sempre delicada.
O estado de fato. Encontramos naturalmente adiantamentos com relação às idades que indiquei. Existem indivíduos bem dotados, melhor dotados que outros. Existem gênios, de tempos em tempos. Existem pois adiantamentos, mas esses adiantamentos são o resultado de uma maturação biológica mais rápida? Isso é muito possível, porque existem ritmos muito diferentes no crescimento individual. Ou é um efeito de educação, do exercício, etc. ? Você vê aqui que o fato bruto não permite resposta e que é necessário uma interpretação.
Encontramos, por outro lado, adiantamentos coletivos em certas classes sociais, em certos meios. Mas aqui novamente, trata-se de uma seleção de bem dotados, ou de uma ação social propriamente dita ?
De fato, o que encontramos, principalmente nos estudos comparativos que quisemos fazer, em todas as espécies de países, sobre essas espécies de resultados, são atrasos espantosos com relação às idades que acabamos de dar. Por exemplo, os psicólogos canadenses, que retomaram esses testes detalhadamente e de uma maneira muito estandartizada, encontram em Montreal mais ou menos as mesmas idades que em Genebra. Mas retomando os mesmos estudos comparados na Martinica, eles obtiveram quatro anos de atraso nas respostas dadas a todos os nossos problemas. Tratava-se entretanto de crianças escolarizadas segundo o programa francês de ensino primário, que vai até o certificado de estudos primário. Apesar disso, as crianças da Martinica têm quatro anos de atraso na aquisição das noções de conservação, de dedução, de seriação...
Mas de que se trata aqui? Esse atraso depende de um fator de maturação, ou seja, de um fator racial? Isso parece muito pouco provável porque psicologicamente não se encontrou nada semelhante. Ou trata-se de um fator social, quer dizer de uma certa passividade no meio social adulto? Os psicólogos que cito (A. Pinard, M. Laurendeau, C. Boisclair) estariam mais certamente orientados para essa segunda direção, fornecendo-nos a esse respeito todas as espécies de índice:
Um dos professores das crianças examinadas tinha hesitado em muito, antes de escolher sua profissão, entre a vocação de professor e uma outra possível, a de feiticeiro...Ora, um meio adulto sem dinamismo intelectual pode ocasionar um atraso geral no desenvolvimento das crianças.
Por outro lado, pesquisas foram feitas no Irã. Em Teerã, encontramos mais ou menos as mesmas idades daqui; mas, em alguns analfabetos, do campo, constatamos um atraso de dois anos e meio, e isso de uma maneira mais ou menos constante. .A ordem de sucessão permanece a mesma, mas com decalagens.
Eis pois o estado de fato: há variações na velocidade e na duração do desenvolvimento. Como interpretá-Ias? O desenvolvimento do qual tentei fazer um quadro muito esquemático e muito sucinto, pode ser explicado por diferentes fatores.
Distinguirei quatro.
Primeiro fator: a hereditariedade, a maturação interna. Esse fator deve certamente ser retido em todos os pontos de vista, mas é insuficiente porque não existe nunca no estado puro ou isolado. Se um efeito de maturação intervém em toda parte, ele permanece indissociável dos efeitos do exercício da aprendizagem ou da experiência. A hereditariedade não é pois um fator que aja isolado ou seja isolável psicologicamente.
Segundo fator: a experiência física, a ação dos objetos. Constitui novamente um fator essencial, que não deve subestimar, mas que, ele também, é insuficiente. Em particular, a lógica da criança não é tirada das ações que se exercem sobre os objetos. O que não é absolutamente a mesma coisa, quer dizer que a parte da atividade do sujeito é fundamental e aí, a experiência tirada do objeto não basta.
Terceiro fator: a transmissão social, o fator educativo, no sentido amplo. Fator determinante, naturalmente, no desenvolvimento, ele e por si só insuficiente, por essa razão evidente que para que uma transmissão seja possível entre o adulto e a criança educada, é necessário haver assimilação pela criança do que lhe procuram inculcar do exterior. Ora, uma assimilação é sempre condicionada pelas leis desse desenvolvimento parcialmente espontâneo do qual dei exemplos.
Lembremos a esse respeito a inclusão da subclasse na classe, a parte menor que o todo. A linguagem contém uma quantidade de casos nos quais a inclusão é marcada de uma maneira completamente explícita pelas palavras mesmas. Mas isso não entra entretanto no espírito da criança enquanto a operação não for construída no plano das ações interiorizadas. Por exemplo, estudei outrora - e era novamente um teste no qual se tratava de determinar a cor de um ramo de flores, sendo dado o seguinte enunciado: Um menino diz a suas irmãs: algumas de minhas flores são botões de ouro. (Eu tinha mesmo simplificado dizendo: Algumas de minhas flores são amarelas.) A primeira das irmãs responde: Então teu ramo é amarelo, ele é todo amarelo; a segunda responde: Uma parte das flores é amarela; a terceira responde: Nenhuma das flores é amarela.
Os pequenos parisienses - era uma pesquisa feita em Paris - respondiam até 9 e 10 anos: " As duas primeiras tem razão porque dizem a mesma coisa. A primeira disse: Todo teu ramo é amarelo, e a segunda: Algumas de suas flores são amarelas. É a mesma coisa; isso quer dizer que há algumas flores e que elas são amarelas". Dito de outra forma, o genitivo partitivo, a relação da parte ao todo, não estava compreendida na linguagem por falta de estruturação de inclusão.
Quero falar de um quarto fator, que chamarei fator de equilibração. Do momento em que há três fatores, já é necessário que eles se equilibrem entre eles; mas ainda mais, no desenvolvimento intelectual, intervém um fator fundamental. É que uma descoberta, uma noção nova, uma afirmação, etc., devem se equilibrar com as outras. É necessário todo um jogo de regulação e de compensações para atingir uma coerência. Tomo a palavra "equilíbrio", não num sentido estático, mas no sentido de uma equilibração progressiva, a equilibração sendo a compensação por reação do sujeito às perturbações exteriores, compensação que atinge a reversibilidade operatória, no fim desse desenvolvimento.
A equilibração me parece o fator fundamental desse desenvolvimento. Compreendemos então, ao mesmo tempo a possibilidade de aceleração, e a impossibilidade de um aceleramento que ultrapasse certos limites.
A possibilidade de aceleração é dada nos fatos que indiquei há pouco; mas teoricamente, se o desenvolvimento é antes de tudo negócio de equilibração, porque um equilíbrio pode se regular mais ou menos rapidamente seguindo a atividade do indivíduo, ele não é regulado automaticamente como um processo hereditário que seria sofrido do interior.
Se compararmos aos jovens gregos do tempo em que Sócrates, Platão, Aristóteles inventaram as operações formais ou proposicionais de nossa lógica ocidental tal, nossos jovens contemporâneos que devem assimilar, não somente a lógica das proposições, mas toda a aquisição de Descartes, Galileu, Newton, etc., é necessário fazer a hipótese de uma aceleração considerável durante a infância até o nível da adolescência.
O equilíbrio leva tempo, naturalmente, mas a equilibração pode ser mais ou menos rápida. Não impede que essa aceleração não possa ser aumentada indefinidamente, e é nesse ponto que concluirei. Não creio mesmo que haja vantagem em acelerar o desenvolvimento da criança além de certos limites. Muita aceleração corre o risco de romper o equilíbrio. O ideal da educação não é aprender ao máximo mo, maximalizar os resultados, mas é antes de tudo aprender a aprender; é aprender a se desenvolver e aprender a continuar a se desenvolver depois da escola.
O DESENVOLVIMENTO DAS OPERAÇÕES INTELECTUAIS
NOÇÃO DE CONSERVAÇÃO
DE QUANTIDADES DESCONTÍNUAS OU DISCRETAS
Orly Zucatto Mantovani de Assis
Comparar quantidades é relacionar suas dimensões ou colocar em correspondência um a um os seus elementos. É através desses processos que a criança chega a compreender a equivalência ou não de quantidades contínuas (massa, líquido) ou descontínuas (conjuntos de vários elementos).
Tratando-se da correspondência termo a termo é preciso ressaltar que, saber fazer um elemento de um conjunto corresponder a um outro elemento de outro conjunto, colocando-os lado a lado, não basta para que a criança compreenda que ambos são equivalentes. Já foi visto que, embora a criança seja capaz de fazer uma fileira de fichas vermelhas igual à outra fileira de fichas azuis, colocando as fichas uma ao lado da outra, quando se aumenta os intervalos que separam as fichas de uma das fileiras, a criança pode passar a negar a equivalência existente entre elas.
Para chegar a admitir essa equivalência como logicamente necessária há uma evolução do pensamento da criança da simples “correspondência global ou intuitiva” para a “correspondência quantificante”. A “correspondência global ou intuitiva” é típica da criança pré-operatória, cujo pensamento é dominado pela percepção. Assim é que a equivalência entre dois conjuntos que possuem o mesmo número de elementos só é admitida se sua correspondência for percebida. É por isso que a criança que admite a equivalência de duas fileiras de fichas quando estas estão colocadas lado a lado, passa a negá-la quando a configuração espacial de uma das fileiras se modifica. A "correspondência quantificante” é característica do início do estágio operatório, em que a equivalência logicamente necessária entre dois conjuntos de igual número de elementos é admitida independentemente da configuração desses elementos.
Na “correspondência global ou intuitiva” a criança só admite a equivalência de dois conjuntos quando a configuração espacial de seus elementos é idêntica. Por exemplo:
Deixa de admiti-la quando, embora possuindo a mesma quantidade de elementos, os conjuntos apresentem diferentes configurações espaciais, por exemplo:
Na “correspondência quantificante” a criança admite a equivalência de conjuntos que possuem a mesma quantidade de elementos independentemente de suas configurações espaciais.
É importante observar que a criança mais nova (nível 1) não é capaz de fazer nem mesmo a correspondência termo a termo; assim sendo, se lhe apresentarmos uma fileira com seis fichas azuis, pedindo-lhe que façam outra fileira com igual quantidade de fichas vermelhas, elas a fazem do mesmo comprimento que a anterior, sem levar em consideração a quantidade de fichas. A fileira de fichas vermelhas feita pela criança terá um número maior ou menor de fichas, assim:
As sugestões de atividades que serão apresentadas têm por objetivo estimular o pensamento da criança, no sentido de fazê-la caminhar da fase em que ela não é capaz de fazer a correspondência termo a termo para as fases de “correspondência global e intuitiva” e, posteriormente, para a fase de "correspondência quantificante”. Trata-se de um conhecimento lógico-matemático que será adquirido pela criança quando, ao manipular conjuntos de vários elementos (animais, conchinhas, folhas, sementes, copinhos de plástico, palitos, botões, etc.) ela chega a compreender que a quantidade de elementos desses conjuntos se “conserva” independentemente de sua configuração espacial.
NOÇÃO DE CONSERVAÇÃO
DE QUANTIDADES CONTÍNUAS - LÍQUIDO -
As quantidades contínuas são aquelas cujas partes podem ser comparadas entre si, sem especificação da unidade. Assim para se admitir a equivalência ou não de duas porções de massa de modelar, por exemplo, basta comparar suas dimensões, visto não ser possível especificar suas unidades e nem tampouco quantificá-las numericamente. As quantidades descontínuas ou discretas são aquelas que são comparadas através da quantificação numérica de suas unidades.
As crianças reagem de diferentes maneiras quando comparam duas porções idênticas de líquido ou de massa. Assim, por exemplo, a criança de estágio pré-operatório admite a identidade das quantidades comparadas desde que sua forma seja a mesma. Basta transformar a massa ou mudar o líquido de recipiente para que ela passe a negar a identidade afirmada anteriormente. No estágio pré-operatório a transformação da quantidade contínua é concebida como modificação de todos os dados ao mesmo tempo, sem nenhuma conservação. Desta forma, não é possível o retorno ao ponto inicial. No estágio operatório, ao contrário, a criança admite a conservação da quantidade contínua apesar de suas transformações, isso porque se torna capaz de perceber a ação transformadora como reversível. Em outras palavras, a criança compreende que uma ação inversa anula a transformação observada e conduz ao ponto inicial.
As reações das crianças podem ser categorizadas em três níveis:
Nível 1: Nenhuma conservação desde que haja transformação.
Nível 2: Conservação suposta sem certeza e para algumas transformações.
Nível 3: Conservação afirmada com certeza para todas as transformações observadas.
Os argumentos apresentados pela criança do terceiro nível são em número de três e são típicos da inteligência operatória. O primeiro é o da reversibilidade simples: - Há em B (salsicha) a mesma quantidade de massa que tem em A (bolinha) porque se pode refazer A (bolinha) a partir de B (salsicha) ou Há em B (copo mais alto e mais estreito) a mesma quantidade de água do que em A (copo mais largo e mais baixo) porque se despejarmos a água de B em A, este ficará igual a A. O segundo tipo de argumento é o da reversibilidade por reciprocidade: -Tem a mesma quantidade, pois B (salsicha) é mais comprida, mas é mais fina ou -A água sobe mais alta, mas é mais estreita. O terceiro tipo é o da identidade: Tem a mesma quantidade porque é a mesma massa, a gente só enrolou ou Tem a mesma quantidade de água pois nós só despejamos aqui (B) ou -Tem a mesma quantidade de água porque a gente não tirou nem pôs mais.
As situações que propiciam a aquisição da noção de conservação das quantidades contínuas são aquelas em que a criança brinca com barro, água, areia, etc.
1-Ausência de Conservação
A = A´ A ≠ B A ≠ C
2-Conservação em algumas das transformações
A = A´ A ≠ B A = C
3- Noção de Conservação
A = A´ A = B A = C
Argumentos
1. Identidade:
É a mesma água, não se tirou nem pôs. Somente passou de um copo para outro.
2. Reversibilidade:
2.1. Simples ou por inversão:
Se pusermos a água neste copo (A) outra vez, fica tudo igual como antes.
2.2. Por reciprocidade:
Neste copo (B) a água está mais alta porque o copo é fino e alto, neste (A) a água fica mais baixa porque o copo é mais largo e mais baixo, mas a quantidade é a mesma.
CONSERVAÇÃO DE QUANTIDADES CONTÍNUAS
MASSA
As situações que propiciam a aquisição da noção de conservação das quantidades contínuas são aquelas em que a criança brinca com barro, massa de modelar, etc.
As quantidades contínuas são aquelas cujas partes podem ser comparadas entre si, sem especificação da unidade. Assim, para se admitir a equivalência ou não de duas porções de massa de modelar, por exemplo, basta comparar suas dimensões, visto não ser possível especificar suas unidades e nem tampouco quantificá-las numericamente. As quantidades descontínuas ou discretas são aquelas que são comparadas através da quantificação numérica de suas unidades.
As crianças reagem de diferentes maneiras quando comparam duas porções idênticas de massa. Assim, por exemplo, a criança de estágio pré-operatório admite a identidade das quantidades comparadas desde que sua forma seja a mesma. Basta transformar a massa para que ela passe a negar a identidade afirmada anteriormente. No estágio pré-operatório a transformação da quantidade contínua é concebida como modificação de todos os dados ao mesmo tempo, sem nenhuma conservação. Desta forma, não é possível o retorno ao ponto inicial. No estágio operatório, ao contrário, a criança admite a conservação da quantidade contínua apesar de suas transformações, isso porque se torna capaz de perceber a ação transformadora como reversível. Em outras palavras, a criança compreende que uma ação inversa anula a transformação observada e conduz ao ponto inicial.
As reações das crianças podem ser caracterizadas em três níveis:
Nível 1– nenhuma conservação desde que haja transformação.
Nível 2– conservação suposta sem certeza e para algumas transformações.
Nível 3– conservação afirmada com certeza para todas as transformações observadas.
Os argumentos apresentados pela criança do terceiro nível são em número de três e são típicos da inteligência operatória. O primeiro é o da reversibilidade simples: “Há em B (salsicha) a mesma quantidade de massa que tem em A (bolinha) porque se pode refazer A (bolinha) a partir de B (salsicha)”. O segundo tipo de argumento é o da reversibilidade por reciprocidade: “Tem a mesma quantidade, pois B (salsicha) é mais comprida, mas é mais fina”. O terceiro tipo é o da identidade: “Tem a mesma quantidade porque é a mesma massa, a gente só enrolou” ou “Tem a mesma quantidade de massa porque a gente não tirou nem pôs mais”.
Conservação de Quantidades Contínuas (Massa)
1-Ausência de Conservação
2-Conservação em algumas das transformações
3- Noção de Conservação
NOÇÃO DE CLASSIFICAÇÃO OPERATÓRIA
Classificar é reunir objetos de acordo com suas semelhanças. As origens das classificações remontam à atividade sensório-motora que consiste em reunir e em separar objetos a partir de critérios funcionais.
No estágio pré-operatório as crianças tendem a classificar os objetos fazendo "coleções figurais" ou "coleções não figurais" ( cf. Mantovani de Assis. "Uma Nova Metodologia de Educação Pré-Escolar. p. 15). As "coleções figurais" traduzem uma indiferenciação entre os aspectos figural e conceptual de um conjunto de elementos. As "coleções não figurais" consistem em distribuir em pequenos montes os objetos que se assemelham. Além disso, depois de construído um amontoado (por exemplo, de círculos) a criança chega a subdividi-lo em sub-coleções: grandes e pequenos, ou vermelhos e azuis. Tais comportamentos já são nitidamente classificatórios, mas não há ainda a operação de inclusão de classes.
No estágio operatório a criança se torna capaz de reunir em classes todos os elementos de um conjunto, segundo um critério único que inclui duas ou mais subclasses numa classe de maior extensão, como por exemplo quando afirma que, num ramalhete de cinco rosas e duas margaridas há mais flores do que rosas, pois todas são flores.
É através da observação do comportamento da criança que o(a) professor(a) chega a compreender em que nível de classificação ela se encontra. No nível das classificações figurais as reações típicas das crianças podem ser categorizadas da seguinte maneira:
1. Pequenos alinhamentos parciais:
A criança não procura classificar todos os objetos apresentados, construindo coleções não exaustivas e sem relações entre si.
Características:
a- A criança estabelece semelhanças entre o primeiro elemento escolhido e o seguinte, depois, entre o segundo e o seguinte, e assim por diante, sem qualquer plano preestabelecido e sem esgotar todos os elementos.
b- Esses elementos ligados por semelhança não estão reunidos numa totalidade estabelecida antecipadamente e nem construída como um conjunto total.
c- O alinhamento assim construído só posteriormente se impõe como uma estrutura de conjunto.
2. Alinhamentos contínuos, mas com mudanças de critérios:
O alinhamento é generalizado para todas as figuras, constituindo-se assim um alinhamento total. Observam-se a constituição de sub-coleções que não são previstas pela criança e nem sempre notadas posteriormente. Essas sub-coleções resultam do fato da criança esquecer os elementos precedentes ao proceder a seqüenciação das figuras e ir mudando de critério à medida que constrói o alinhamento.
3. Os intermediários entre o alinhamento e os objetos coletivos ou complexos:
São agrupamentos intermediários entre os alinhamentos e os objetos coletivos ou complexos. Caracterizam-se por constituírem alinhamentos múltiplos, cujas linhas se orientam em direções diferentes, como por exemplo em ângulo reto, ou por constituírem figuras que começam sob a forma de alinhamento e depois se completam sob a forma de superfícies.
4. Objetos coletivos:
Constituem uma montagem, em duas ou três dimensões, de elementos semelhantes mas formando, em conjunto, uma figura inteiriça como se fosse uma peça só.
5. Objetos complexos:
Constituem um agrupamento de forma multidimensional. A criança perde de vista seu propósito inicial de classificar e em vez de "juntar" o que é parecido, passa a fazer uma construção qualquer.
Os comportamentos anteriormente descritos são típicos da criança de 3-4 anos de idade, que freqüentam as classes de nível 1. As coleções não figurais são típicas das crianças de 5-6 e 5-7 anos que freqüentam as classes de nível 2 e 3. Entretanto, espera-se que a criança das classes deste último nível chegue a adquirir a noção de classificação operatória. É importante observar que esta determinação de comportamentos típicos de cada idade não é rígida. Assim sendo, é bem possível que crianças de nível 2 e 3 façam coleções figurais ao classificar objetos.
É classificando os objetos, as pessoas e os animais que a criança estrutura o real, formando conceitos. A classificação, que tem sua origem na atividade sensório-motora, vai se aperfeiçoando à medida em que a criança se desenvolve e se converte na capacidade para orientar o pensamento científico característico da adolescência e da idade adulta.
As figuras que se seguem poderão facilitar a compreensão das fases pelas quais a criança passa até construir a noção de classificação operatória.
• ESTÁGIO PRÉ-OPERATÓRIO
NOÇÃO DE SERIAÇÃO OPERATÓRIA
Seriar é agrupar os objetos de acordo com suas diferenças ordenadas. A seriação sob uma forma vacilante e não sistemática já está presente no comportamento da criança desde o estágio sensório-motor. Podemos observar comportamentos de seriação em crianças desse estágio quando, por exemplo, um bebê de um ano e meio constrói uma torre, sobrepondo cubos de tamanhos decrescentes, ou quando um pouco mais tarde é capaz de fazer encaixamento de objetos de diferentes tamanhos. O comportamento da criança nesse estágio engloba a percepção de relações e comporta também um esquema sensório-motor que supera a própria percepção. A seriação operatória tem pois sua origem na atividade sensório-motora.
Do início do estágio pré-operatório até ao início do estágio operatório concreto encontramos três níveis de seriação.
Nível 1 : Ausência de seriação.
Se apresentarmos à criança uma série de 10 bastonetes, ela fracassa na seriação, arrumando os bastonetes ao acaso ou fazendo com eles pares e trios.
Nível 2 : Seriação perceptiva.
A criança consegue construir a série por tentativas mas, quando lhe solicitamos que intercale novos elementos geralmente desmancha a série feita e começa tudo outra vez ou faz a intercalação através de tentativas.
Nível 3 : Seriação Operatória.
A criança constrói a série utilizando um método sistemático, que consiste em identificar primeiro o elemento menor (ou maior) depois o outro menor (ou maior) dos que restam e assim por diante. Este comportamento já é operatório e implica a compreensão de que um determinado elemento E é, ao mesmo tempo, maior que os precedentes e menor do que os seguintes. Além disso, a criança desse nível é capaz de intercalar diretamente e sem hesitações os novos elementos que lhes são apresentados.
SERIAÇÃO
Seriar é ordenar os objetos de acordo com suas diferenças.
1- Ausência de Seriação
2- Seriação Empírica ou Perceptiva
• A série é construída por ensaio e erro
3- Seriação Operatória
• A série é construída por meio de procedimentos sistemáticos.
• A criança entende que qualquer elemento mediano é ao mesmo tempo maior que e menor que.
ESTRUTURAÇÃO DO CONCEITO DE ESPAÇO
A estruturação do conceito de espaço deriva das ações que o sujeito realiza sobre os objetos no espaço. Essas ações são inicialmente sensório-motoras e mais tarde ações interiorizadas que se transformam em operações, constituindo sistemas. O conceito de espaço da pessoa adulta, resulta das manipulações ativas do meio espacial e não de um "puro registro" imediato deste meio, através da percepção. Desta forma, a percepção que temos dos objetos como juntos ou separados no espaço, é função de ações passadas de separar e juntar e não de registros visuais de sua proximidade ou separação.
Segundo Piaget, o conceito de espaço é produto de uma construção lenta e gradual que depende muito mais das ações do que da percepção. Essa construção se inicia no estágio sensório-motor. No princípio, não existe um espaço único que englobe os objetos. Ao contrário, existem "espaços" separados, heterogêneos, todos centrados no próprio corpo da criança: espaço bucal, tátil, visual, auditivo, postural. Em seguida, esses espaços vão se coordenando progressivamente, até que, no final do estágio sensório-motor, constitui-se um espaço único e objetivo, no qual todos os objetos e a própria criança estão incluídos e inter-relacionados. A criança torna-se então, capaz de controlar seus movimentos no espaço, representando internamente seus próprios deslocamentos anteriores em relação aos deslocamentos dos outros corpos. Além disso, ela também se torna capaz de representar os deslocamentos invisíveis dos objetos. Desta forma, a criança que se afasta de casa e a perde de vista, é capaz de apontar corretamente o ponto em que ela se localiza. Assim também quando a criança encontra um obstáculo que a impede de alcançar um objeto perdido, ela faz outro caminho e consegue pegar o objeto. Isso acontece porque a criança foi capaz de representar o deslocamento invisível do objeto perdido e o desvio que precisava ser feito para encontrá-lo novamente.
A partir de dois anos de idade, o espaço sensório-motor é reconstruído no nível de representação. Observa-se então, em primeiro lugar, o aparecimento de estruturas topológicas (que incluem a proximidade, a ordem, o fechamento e a continuidade) e depois o aparecimento mais ou menos simultâneo (em geral aos 9-10 anos) das estruturas euclidianas e projetivas. As estruturas euclidianas implicam a compreensão do espaço em três dimensões e as conservações de comprimentos, superfícies e volumes e a elaboração dos sistemas de referência (horizontal e vertical). As estruturas projetivas implicam a compreensão das transformações de perspectivas de um único objeto ou de um sistema de vários objetos, com coordenação de pontos de vista.
Esta evolução na estruturação do conceito de espaço é percebida pela análise de inúmeros fatos. Por exemplo, a criança pré-escolar de 3-4 anos é capaz de distinguir uma figura fechada de uma aberta, uma figura que tem um furo de outra que não tem. Entretanto, a capacidade de discriminar as figuras retilíneas e curvilíneas só se desenvolve muito tempo depois. Portanto, a criança que sabe distinguir um círculo fechado de um aberto, pode ser incapaz de distinguir entre figuras fechadas curvilíneas e retilíneas, como quadrados ou losangos.
No estágio pré-operatório a concepção que a criança tem de espaço está ligada às suas ações. Desta forma, é capaz de ver uma coisa em relação a outra e, conseqüentemente, de compreender as relações de proximidade, separação, ordem e continuidade existentes entre os objetos. O desenho da criança reflete a sua concepção de espaço. A figura humana é desenhada corretamente e as relações entre continente e conteúdo se manifestam nas "transparências”: batatas dentro da terra, móveis dentro da casa, etc... As crianças desenham o que sabem e não o que vêem (realismo intelectual).
Quando se trata, por exemplo, de representar graficamente o trajeto de casa à escola, a criança pré-operatória o faz em termos de suas próprias ações. Lembra-se de onde parte e onde chega e que precisa dobrar uma esquina no caminho. Mas, não é capaz de recordar um único ponto de referência, e a representação gráfica do trajeto não tem relação com a planta da escola e do bairro. À vezes é capaz de lembrar-se de nomes das ruas, mas não de sua ordem ou dos lugares onde precisa virar. Seu desenho é um círculo, com alguns pontos colocados ao acaso para corresponder aos nomes de ruas que conseguiu lembrar.
A criança constrói o conceito de espaço espontaneamente, sem que nada lhe seja ensinado.
ESTRUTURAÇÃO DO CONCEITO DE TEMPO
Para Piaget o tempo constitui uma coordenação de velocidades distintas: movimentos do objeto para o tempo físico, ou movimentos do sujeito para o tempo psicológico.
A noção operatória de tempo evolui simultaneamente com as noções de movimento e velocidade. A noção de tempo resulta de uma construção prolongada, que se inicia no estágio sensório-motor e termina no estágio das operações formais.
A forma mais elementar dessa noção é a organização sensório-motora, que se processa desde o nascimento até a aparição da linguagem. Quando a criança chora de fome enquanto não é alimentada, ela tem conhecimento de certas durações, como a da espera. Quando a criança retira um obstáculo, para depois pegar o objeto que foi escondido atrás dele, ela estabelece uma sucessão de acontecimentos entre meios e fins (antes e depois).
Quando, com a aquisição da linguagem, a inteligência infantil ultrapassa o plano das ações para alcançar o do pensamento, as noções temporais passam a ser reconstruídas nesse novo plano. A criança começa por reaprender, nesse novo plano, o que ela já sabe de uma maneira essencialmente prática. Sendo capaz de utilizar e prever uma seqüência de acontecimentos, ou levar em consideração certas durações, torna-se necessário para ela reconstruir as mesmas noções no plano das representações. As noções temporais sensório-motoras, lenta e gradualmente, passam a ser traduzidas em signos e representações, e isto implica uma nova construção. É por isto que as crianças de 4 a 5 anos encontram dificuldade para reconstruir uma série temporal simples no plano das representações, embora sejam capazes de percebê-la e manejá-la praticamente sem dificuldade. Assim, por exemplo, ela sabe fazer escoar água de um recipiente superior para um inferior e prever que os níveis sucessivos desses recipientes serão cada vez mais baixos no primeiro e cada vez mais altos no segundo. Entretanto, se pedirmos a essa criança para seriar os desenhos que ela mesma fez desses vários níveis, vamos observar que ela comete erros.
No estágio intuitivo ou pré-operatório, a criança irá reconstruir as noções elementares de sucessão e duração simultaneamente, a partir dos esquemas sensório-motores. Nesse estágio essas relações são baseadas na percepção imediata interna ou externa. Disso resulta que a criança age como se cada movimento tivesse o seu próprio tempo. Piaget se refere a este fenômeno como "tempo local". Desta maneira, os "tempos" inerentes a movimentos diferentes não podem ser coordenados. A noção de "tempo homogêneo" que representa a média comum de todos os movimentos, com a mesma velocidade ou com velocidades diferentes, só será construída no estágio operatório concreto.
O conceito operatório de tempo implica a coordenação de movimentos de velocidades distintas que, por sua vez, requer uma concepção lógica de movimento e velocidade, que a criança pré-operatória não tem. Assim é que no estágio pré-operatório, o movimento e a velocidade são avaliados em termos do ponto final ou terminal do movimento no espaço percorrido. Nesse caso, a criança acredita que um objeto fez um trajeto mais longo quando ele pára antes de outro, mesmo que o primeiro tenha feito um caminho reto e o último um caminho em zigue-zague e, portanto, tenha percorrido uma distância maior. A velocidade também é compreendida pelo esquema de "passar na frente" ou de "estar na frente". Quando a criança vê um móvel ultrapassar outro ou chegar à sua frente, ela acredita que ele se locomoveu mais rapidamente. Mas se a ultrapassagem não é visível (por exemplo, quando os dois móveis se locomovem sob túneis, sendo um maior que o outro) a avaliação das velocidades se mostra incorreta. A velocidade não é então uma relação entre o tempo e o espaço percorrido. Isso ocorre porque a ordem temporal ainda não está construída. O tempo é uma coordenação de velocidades distintas e não havendo essa coordenação a velocidade resulta também de uma intuição parcial. A construção simultânea da idéia operatória de velocidade e da idéia operatória de tempo, permite à criança comparar velocidades entre si, quando não há ultrapassagens visíveis e também comparar os tempos entre si, quando as velocidades são diferentes.
Os erros próprios das intuições do tempo são modelos do pensamento pré-operatório, cuja característica é a irreversibilidade. O tempo operatório é o protótipo do pensamento reversível. Essas duas formas de pensamento são bastante nítidas quando se trata do tempo vivido (noção de idade). Para a criança pré-operatória a idade não se diferencia do tamanho (especialmente da altura). As coisas maiores são mais velhas que as menores e as coisas que param de crescer também não envelhecem mais. Devido à sua associação com o tamanho, a idade não tem uma relação necessária com a data do nascimento. Se Pedro nasceu depois de João, mas com o tempo o supera em tamanho, é considerado "mais velho".
ESTRUTURAS OPERATÓRIAS CONCRETAS
OS AGRUPAMENTOS
Lia Leme Zaia
Estruturas são sistemas de conjunto , responsáveis pela nossa capacidade de estabelecer relações lógicas e cujos elementos, relacionados entre si, não podem ser caracterizados independentemente destas relações.
Estas estruturas são construídas a partir das relações do sujeito com o meio ambiente, numa ordem invariável de sucessão. As estruturas elementares são incorporadas às novas estruturas como subestruturas.
Desta forma as estruturas elementares não se perdem mas continuam existindo como parte das mais complexas e estas, por sua vez, integram outras ainda mais complexas.
O ritmo de construção das estruturas mentais pode variar, sofrendo influência das solicitações do ambiente, isto é, de acordo com a maior ou menor possibilidade de atuar sobre objetos variados, interagir com crianças e adultos, inventar coisas, solucionar problemas, etc.
Embora seja importante para o desenvolvimento da criança, não podemos intervir diretamente no ambiente familiar; torna-se, portanto, necessário enriquecer o ambiente escolar com situações desafiadoras e estimulantes, de acordo com o seu nível de desenvolvimento.
Para que uma situação seja estimulante e desafiadora deve estar um pouco acima das possibilidades atuais da criança, mas próxima o suficiente para ser compreensível e solucionável.
É necessário, portanto que o professor conheça, não só as características gerais do estágio de desenvolvimento de seus alunos, mas, principalmente, as suas estruturas cognitivas, o seu processo de formação, as estruturas que lhe deram origem e as estruturas próprias do estágio seguinte.
Conhecendo o processo de construção das estruturas, o professor poderá diagnosticar o nível de desenvolvimento em o que aluno se encontra e selecionar questões, atividades e problemas que lhe possam ser desafiadores.As estruturas elementares já foram abordadas em outros textos, portanto passaremos por elas apenas superficialmente para aprofundar o estudo das estruturas mais elaboradas desse período de desenvolvimento: os agrupamentos.
CLASSIFICAÇÃO
Classificar é estabelecer relações entre os objetos reunindo-os de acordo com suas semelhanças. Quando a criança separa objetos de acordo com um critério, isto é, de acordo com um atributo comum e reúne novamente as classes em um todo, podemos dizer que está classificando. Assim, quando separa os brinquedos da casa de bonecas de acordo com o cômodo a que pertencem e, depois, ao ser solicitada a fazer apenas dois conjuntos, encontra um critério para reunir algumas classes deixando apenas duas, por exemplo, coisas de fazer comida e coisas que não servem para fazer comida, está reunindo classes menores em outras de maior extensão.
Paralelamente à classificação elementar, que implica a inclusão de classes, são construídas as classificações duplas, as matrizes multiplicativas com quatro compartimentos. Esta estrutura continua evoluindo, dando origem à classificações cada vez mais complexas que correspondem aos agrupamentos de classes.
Do ponto de vista lógico, agrupamentos são estruturas de conjunto. Sua composição é limitada, quando comparada com o grupo (matemático), pois não possui associatividade completa. Não sendo possível combinar qualquer elemento com qualquer outro, independente de sua disposição espacial, a sua composição é gradativa ou por contigüidade. É próxima da rede, mas apenas em forma de um meio ripado.
As propriedades dos agrupamentos são: a composição (operação direta na qual uma subclasse é incluída em uma classe de maior extensão), a reversibilidade ou operação inversa (exclusão de uma subclasse da classe de maior extensão), a associatividade, limitada à adição de várias classes contíguas, independentemente da maneira como estão agrupadas, a identidade geral, pela qual existe um elemento, (a classe nula), que somado a qualquer outro não o modifica e as identidades especiais ou tautologia, isto é, outros elementos que desempenham o papel de identidade (a união de qualquer classe com ela mesma, nada modifica).
As identidades especiais são próprias apenas dos agrupamentos. Juntamente com os limites impostos à associatividade, diferencia o agrupamento do grupo lógico matemático.
Os agrupamentos de classe são os seguintes:
Agrupamento I - composição aditiva de classes: É a organização em que cada classe se inclui na seguinte, esta na seguinte e assim por diante, até atingir uma classe que inclui todas as outras. Cada classe é formada por uma subclasse que a antecede e sua complementar. A classe complementar é constituída por todas as classes que a antecedem (ou subclasses) e que não fazem parte da primeira. Isto significa que uma classe qualquer é constituída por todas as outras que a antecedem. Esse agrupamento é simbolizado por Piaget como: A+A’=B, B+B’=C, C+C’= D...
Exemplificando a inclusão hierárquica de classes, podemos tomar uma subclasse A que pode ser formada pelos carrinhos vermelhos, A’ pelos carrinhos não vermelhos, ambas as classes formando B, a classe dos carrinhos de brinquedo, cuja complementar é B’, a classe dos brinquedos não carrinhos. B e B’ formam a classe dos brinquedos C, cuja complementar, C’, é constituída por todos os objetos pessoais não brinquedos. Juntamente com C, C’ forma a classe dos objetos pessoais D, cuja complementar D’, é formada pelos objetos não pessoais. Ambas formam a classe E, dos objetos... e assim por diante.
A hierarquia zoológica é um outro exemplo deste agrupamento. Consideremos a subclasse dos cães dálmatas (A) cuja complementar seria a dos cães não dálmatas (A’), ambas formariam a subclasse (B) composta por todos os cães, cuja complementar poderia ser a dos animais mamíferos domésticos não cães (B’). As subclasses B e B’ formariam a subclasse C, dos animais mamíferos domésticos que, com sua complementar C’ (animais mamíferos não domésticos), formaria a subclasse dos animais mamíferos (D). A subclasse D, juntamente com sua complementar D’(animais não mamíferos) formaria a classe dos animais... e poderíamos continuar daí por diante.
É interessante observar que, as classificações zoológicas e botânicas, de cunho científico, assumem a forma deste agrupamento. Assim, se em vez de darmos as hierarquias prontas para as crianças memorizarem, oferecermos amplas possibilidades de classificarem por si mesmas as plantas e animais, a partir das espécies de seu próprio meio, das quais conhece as características, elas poderão chegar à classificações muito próximas daquelas que desejamos que elas conheçam.
Agrupamento II - adição secundária de classes: Este agrupamento consiste na inclusão de uma classe e sua complementar em uma classe de maior extensão que as comporta. A diferença em relação ao anterior consiste em que, enquanto no agrupamento I, trata-se de inclusões sucessivas, neste, a classe superior permanece sempre a mesma e pode ser constituída por qualquer outra e sua complementar.
A representação lógica desta classe seria: A1 + A’ = B, A2 + A’2 = B, A3 + A’3 = B, A4+ A’4 = B... em que A1 poderia corresponder à classe dos gatos, A’1 à dos não gatos, ambas constituindo B, classe dos mamíferos, que pode ser formada também por A2 - classe dos cavalos - e A’2 - classe dos mamíferos não cavalos; ou por A 3 - dos macacos e A’3 - dos mamíferos não macacos, e assim por diante.
Neste agrupamento cada soma resulta sempre na classe completa dos mamíferos, comportando, portanto, vicariâncias, uma vez que seus termos podem ser substituídos sem alterar a classe total.
Agrupamento III - multiplicação biunívoca de classes: As classes podem ser multiplicadas umas pelas outras. O resultado dessa multiplicação é sempre uma classe de menor extensão, porque possui os predicados das duas classes multiplicadas. Se multiplicarmos, por exemplo, a classe dos carros, que comporta todos os carros, pela classe dos vermelhos, que inclui todos os objetos vermelhos, tenho a classe dos carros vermelhos, que comporta apenas os carros de cor vermelha, deixando de incluir todos os outros carros - não vermelhos - e todos os outros objetos - não carros. O produto desta multiplicação é, portanto, a interseção de ambas as classes.
Podemos tomar como exemplo, novamente, os brinquedos de uma criança. A classe dos brinquedos poderia ser dividida pela cor, hierarquia (D1 ) e pela espécie, (D2 ). Assim, poderia ser constituída, por um lado, pela classe dos brinquedos azuis (A1 ), dos brinquedos amarelos (B1 ) e dos brinquedos vermelhos (C1 ) e, por outro lado, pela classe dos carrinhos ( A2), pela dos piões(B2 ) e pela das bolas(C2 ) . A multiplicação lógica dessas hierarquias dá origem à matriz multiplicativa ou tabela de dupla entrada:
D1 D2 A2 B2 C2
A1 A1 A2 A1 B2 A1 C2
B1 B1 A2 B1 B2 B1 C2
C1 C1 A2 C1 B2 C1 C2
Este agrupamento recebe o nome de multiplicativo biunívoco porque cada classe da primeira hierarquia (D1), multiplica-se pelas classes individuais da segunda hierarquia (D2) para dar origem às classes de menor extensão, situadas nas interseções.
Diversas atividades podem propiciar o estabelecimento destas relações multiplicativas. Um exemplo clássico, seria o de colocar diante da criança dois conjuntos, um com objetos verdes (uma caneca, um carro, uma caneta, etc., todos verdes), formando uma linha vertical, e outro de folhas de diversas cores, amarela, laranja, marrom, vermelha (exceto verde) formando uma linha horizontal. O ponto de interseção ficaria vazio e se perguntaria à criança, o que poderia ser colocado ali. Para obter a resposta a criança teria de considerar os critérios de classificação dos dois conjuntos: objetos verdes de um lado e folhas do outro. Multiplicando ambos os critérios, teria uma folha verde.
Com crianças menores podemos apresentar diversos objetos para ela escolher, dentre eles, o que serve para ambos os conjuntos. Com crianças mais velhas isso não é necessário. Com estas também é possível trabalhar com palavras, a partir dos conteúdos escolares já trabalhados. Por exemplo, pode-se oferecer nomes de diversos personagens portugueses de nossa história para um conjunto e, para outro, nomes de reis de diversas nacionalidades, para preencher a interseção a criança poderia escolher entre diversos nomes de personagens de nossa história, tendo apenas D. João VI para representar o rei português.
Agrupamento IV - multiplicação counívoca de classes: Na multiplicação counívoca de classes (um-para-muitos), cada classe de uma hierarquia pode ser multiplicada por todas classes de outra hierarquia. Tomemos o exemplo de uma família, sendo a hierarquia K1 formada pelas classes: A1 - os filhos de x, B1 - os netos de x - e C1 - os bisnetos de x. A hierarquia K2 é constituída por A2 - irmãos, A’2 - primos de A2 - e B’2 - primos em segundo grau de A2.
A2
A1 irmãos
A2 primos irmãos
A’2 primos -2ºgrau
B’2
A1 A1 A2
B1 B1 A2 B1 A’2
C1 C1 A2 C1 A’2 C1 B’2
Neste exemplo, A1 corresponde a apenas uma classe de K2, a classe A2 . Isto é, os filhos de x só podem ser irmãos ente si. Da mesma forma os netos de x ( A’2) só podem ser irmãos entre si (B1 A’2) ou primos irmãos (B1 A’2), enquanto os bisnetos de x podem ser irmãos entre si (C1 A2 ), primos irmãos (C1 A’2) e primos em segundo grau (C1 B’2). O agrupamento quatro forma uma matriz triangular.
SERIAÇÃO
Seriar é ordenar os objetos de acordo com as diferenças. Quando uma criança coloca objetos em ordem de tamanho (do maior para o menor ou vice-versa), ou de peso, espessura, tonalidade, aspereza, etc., executa uma atividade de seriação. Os objetos que possibilitam estas atividades possuem todas as características iguais, exceto uma, cujas diferenças são constantes, podendo ser ordenadas.
O importante em qualquer critério de seriação é que os objetos ordenados se disponham de forma a poder ocupar apenas um lugar na série e essa posição seja definida por sua relação com os que o precedem e com os que os sucedem.
A partir da seriação operatória serão construídas as correspondências seriais e as seriações de duas dimensões.
correspondências seriais: consistem em construir séries duplas, como por exemplo, gaiolas e pássaros, bebês e chupetas, xícaras e pires, de tamanhos gradualmente maiores.
seriações de duas dimensões: consistem em dispor numa matriz objetos que variam em duas dimensões (por exemplo, tamanho e cor)
Da mesma forma que as classificações, as seriações operatórias dão origem aos agrupamentos de relações:
Agrupamento V - aditivo assimétrico de relações: As relações assimétricas são ordenadas entre os indivíduos de uma série, tais como A é menor que B, B menor que C... ou M é mais claro que N, N mais claro que O e assim por diante.
A a B b C c D d E
Na série de objetos (A, B, C, D, etc) as letras minúsculas indicam as diferenças ordenadas entre os elementos. Essas diferenças comportam a transitividade: A é menor que B e este é maior que A .
Assim, se A a B, B a’ A
Outra forma de representar seria:
a
b
c
Nos agrupamentos de seriação, a reversibilidade assume uma forma diferente dos agrupamentos anteriores, uma vez que a inversão ou negação não é possível, enquanto a identidade geral, não podendo ser a ausência de diferenças, assume a forma de uma equivalência entre as diferenças (as diferenças entre A, B, C e D são equivalentes).
Agrupamento VI - aditivo simétrico de relações: refere-se às relações simétricas encontradas na hierarquia genealógica - composições aditivas simétricas - que podem ser combinadas entre si.
Por exemplo se tomarmos uma família, cujos membros x, y e z, são seus membros masculinos, podemos estabelecer as seguintes relações simétricas:
(A) x 0 x (ou x = x)
(B) x a y, a = “irmão de”
(C) x a’ z, a’ = “primo-irmão de”
(D) x b y, x b z, b = “tem o mesmo avô que”
Essas relações podem ser combinadas, pois se x é irmão de y e y é irmão de z, então x é irmão de z, ou se x é irmão de y e y é primo-irmão de z, x é primo-irmão de z.
Agrupamento VII - multiplicativo biunívoco de relações: Neste agrupamento, os elementos, ordenados assimetricamente em relação a dois atributos ao mesmo tempo, formam também uma tabela de dupla entrada, mas comportando as relações próprias de uma série.
A1 A2 A3 etc.
Maior B1 B2 B3 etc.
C1 C2 C3 etc
Como exemplo de atividade, poderíamos entregar às crianças alguns cubos em três ou quatro tamanhos diferentes e tonalidades também diferentes da mesma cor, para que colocassem bem em ordem. O resultado esperado, para as crianças que já construíram este agrupamento, pode ser representado como segue:
Agrupamento VIII - multiplicativo counívoco de relações: Também se refere à hierarquia genealógica, mas neste caso, estabelecendo relações multiplicativas counívocas (um para muitos). Assim, tomemos as duas séries:
A1 é pai de B1 e avô de C1
B1 é irmão de B2 e primo-irmão de C3
Multiplicando-as uma pela outra, temos:
Se A1 é pai de B1, e B1 é irmão de B2, então A1 é pai de B2
Se A1 é pai de B1 e B1 é primo-irmão de C3, então A1 é tio de C3.
BIBLIOGRAFIA
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BRENELLI, Rosely Palermo. O jogo como espaço para pensar: a construção de noções lógicas e aritméticas. Campinas: Papirus,.
MANTOVANI DE ASSIS,(l987) Orly Z. Uma Nova Metodologia de Educação Pré-Escolar. São, Paulo, Pioneira,
MANTOVANI DE ASSIS, Orly Z. Textos do PROEPRE - Projeto de Educação Pré-Escolar
PIAGET, Jean. (l975)A Teoria de Jean Piaget. In: Carmichael. Manual de Psicologia da Criança. Rio de Janeiro. EPU/EDUSP, p.75 a 115.
PIAGET, Jean e INHELDER, Bärbell. (l983) A Gênese das Estruturas Lógicas Elementares. Rio de Janeiro, ZAHAR.
ZAIA, Lia Leme. (1996) A Solicitação do meio e a construção das estruturas operatórias em crianças com dificuldades de aprendizagem. Campinas, Unicamp, Faculdade de Educação, (Tese de Doutorado).
ZAIA, Lia Leme.(1995) O papel do jogo na construção das estruturas operatórias elementares e das estruturas aritméticas. In: Anais do XII Encontro Nacional de Professores do PROEPRE. Campinas: Unicamp - Faculdade de Educação, p.123.
ESTRUTURAS OPERATÓRIAS FORMAIS
Lia Leme Zaia
COMBINAÇÕES, PERMUTAÇÕES e ARRANJOS
A coordenação das duas reversibilidades: inversão e reciprocidade dão origem à construção da combinatória, primeira estrutura do pensamento formal que possibilitará, por sua vez, a construção das demais.
A combinatória consiste em combinar todas as possibilidades de uma situação, trate-se de combinar objetos ou juízos. Essa estrutura de pensamento pode ser observada numa situação bastante simples, que consiste em fornecer ao sujeito quatro cores de fichas e solicitar-lhe que faça com as mesmas todas as combinações possíveis.
Os sujeitos do período operatório concreto só conseguem realizar algumas combinações, por ensaio e erro. Entretanto, durante o período operatório formal, torna-se possível esgotar as possibilidades. Os sujeitos desse período utilizam o método de manter uma cor, combinando-a com as outras, mudar a cor e realizar as combinações possíveis com todas que ainda não foram escolhidas. Valendo-se desse método exaustivo, obtém as 16 combinações: 6 com duas cores, 4 com três, 1 de quatro, 4 de uma cor e nenhuma (cf. fig 01).
Outra maneira de colocar em evidência a estrutura da combinatória é solicitar ao sujeito que encontre todas as formas possíveis de colocar juntas as cores duas a duas, como se fossem pessoas que vão passear aos pares. Aumenta-se gradativamente o número de cores a serem combinadas, procedendo-se sempre desta forma.
Os sujeitos de idades menores costumam fazer dois pares, completando-os com duas fichas da mesma cor. Depois dos seis anos, mais ou menos, continuam agindo por ensaio e erro, mas descobrem, com ajuda, as combinações possíveis com quatro cores. Dos 8 anos até os doze, mais ou menos, procuram um método, mas acabam por tentativas. Apenas após os 11-12 anos, passam a utilizar o método de manter uma cor e combinar com todas as outras.
Uma das situações mais utilizadas para se observar a estrutura combinatória é a dos arranjos, na qual estão envolvidas combinações e permutas.
ARRANJOS
Solicita-se que o sujeito escolha três cores e combine-as, duas a duas, de todas as formas possíveis. Quando termina pergunta-se se fez todos os arranjos possíveis, se tem certeza e por que. Se não tiver certeza, pergunta-se como pode fazer para ter certeza ao terminar.
Solicita-se que anote em uma tabela, o número de cores utilizadas, o número de combinações e o de fichas de cada cor. Sugere-se, então, que escolha mais uma cor e faça novamente todos os pares possíveis. O procedimento é o mesmo até 7 cores, no máximo.
Pergunta-se, então, se existe uma forma de saber quantas combinações poderão ser feitas, com qualquer quantidade de cores, sem que haja necessidade de ir aumentando uma a uma. Deixa-se experimentar – depois se pede ao sujeito que explique o processo. Se não conseguir desta forma, pergunta-se com 10 cores, com 30 ou 90, quantas combinações e quantas fichas de cada cor serão utilizadas.
Procedimentos do sujeito
Em um primeiro estágio (pré-operatório), mais ou menos dos cinco aos sete anos, a criança tem mais dificuldade para inverter os arranjos já feitos do que para combinar as cores. Forma os pares por tentativas, sem esgotar as possibilidades.
Trata-se de arranjos empíricos, por tentativas, sem chegar a suspeitar da possibilidade de usar um sistema, a criança pega qualquer cor, combinando-a com qualquer outra e, só depois, verifica se já havia feito essa combinação. Não consegue fazer permutas e combinações ao mesmo tempo, agindo como se fossem pares isolados, sem relação uns com os outros.
Em um segundo estágio, operatório concreto, dos sete-oito aos onze-doze anos, mais ou menos, constroem progressivamente o senso de regularidade, procurando descobrir um sistema que garanta todas as combinações.
Iniciam por tentativas, depois percebem que podem organizar os arranjos em função das primeiras cores colocadas, mas poucos continuam com o mesmo sistema para todas as cores. Alguns chegam a compreender empiricamente a lei (n2 ) para descobrir o número de arranjos possíveis, mas por descoberta empírica e não por dedução.
Alguns exemplos com números talvez facilitem a compreensão dos sistemas e das limitações encontradas neste estágio.
Passa por diversos sistemas, que não permitem garantir todas as combinações até chegar ao terceiro estágio, operatório formal, quando atinge a compreensão do sistema de arranjos.
Durante o nível inicial do período operatório formal, nível IIIA, consegue descobrir a lei – por um número dado (n x n-1), embora nem sempre compreenda a razão dessa lei e não chegue a uma generalização construtiva quando muda de uma quantidade de cores para outra, por não compreender que se trate de um sistema único. Embora o sistema já esteja completo, ele ainda não dá origem ao esquema reflexivo que lhe permita antecipar.
Ao atingir o equilíbrio do período operatório formal, nível IIIB, descobre a lei e compreende sua razão, tomando consciência das relações inerentes ao sistema adotado, para esgotar todos os arranjos possíveis. Formula a lei a partir desse sistema formal, generalizando para qualquer quantidade de cores.
A combinatória, aplicada à realização de experiências, dá origem ao método chamado científico, que consiste em manter todas as variáveis constantes enquanto se modifica apenas uma. Podemos acompanhar a construção deste método, bem como a exclusão de fatores que não exercem nenhuma influência numa situação em que se coloca o problema da “A freqüência das oscilações do pêndulo”.
A FREQÜÊNCIA DAS OSCILAÇÕES DO PÊNDULO
Deixa-se que o sujeito explore o aparelho e descubra tudo o que pode modificar, isto é, o comprimento do barbante (C), o peso (P), a altura de soltar (A) e o impulso (I) Uma vez descobertos os fatores solicita-se que experimente, como desejar, para descobrir o que faz o pêndulo balançar mais vezes em um mesmo período de tempo (aumentar a freqüência das oscilações).
Procedimentos do sujeito
Durante um primeiro estágio, pré-operatório, observa-se uma indiferenciação entre as ações do sujeito e as oscilações do pêndulo, isto é, ao tentar solucionar a tarefa as ações realizadas pela criança são confundidas com os movimentos observáveis do pêndulo. Quase sempre, o sujeito explica a maior freqüência de oscilações pelo impulso dado e intervém sempre nos movimentos do aparelho. Não há seriação ou correspondências exatas entre os fatores e suas conseqüências, e muitas contradições são observadas.
No estágio operatório concreto a criança começa a seriar os fatores, a estabelecer correspondências entre eles e a freqüência das oscilações, mas ainda não dissocia os fatores. Esse período divide-se em dois níveis:
Em um primeiro nível, IIA, torna-se capaz de seriar as alturas, os comprimentos, os pesos, de julgar objetivamente as mudanças de freqüência e chegar a correspondências exatas.
Além disto, descobre a correspondência inversa entre o comprimento da corrente e a freqüência das oscilações, mas ainda atribui um papel ao peso, ao impulso e à altura de soltar.
Nota-se que não chega a dissociar os fatores, variando vários ao mesmo tempo. Não existe seriação exata dos pesos e conclui que o comprimento do barbante não é o único fator a intervir.
Já no nível de efetivação ou de equilíbrio deste estágio, nível IIB, o sujeito torna-se capaz de todas as formas de seriação e correspondências que permitem variar os quatro fatores e conseguir ler os resultados; seriar exatamente os efeitos dos pesos na experiência bruta e de utilizar tabelas simples de variação.
Entretanto, os fatores nem sempre podem ser separados, razão pela qual, muitas vezes tiram das operações apenas algumas inferências de transitividade (A C se A B e B C), não imaginam a multiplicidade de variações que podem ser tiradas das operações e variam simultaneamente vários fatores, podendo não variar o fator que desejam examinar.
Apenas no estágio operatório formal a dissociação de fatores torna-se possível, embora ainda não seja espontânea.
Durante o primeiro nível do período operatório formal, nível IIIA, o adolescente torna-se capaz de dissociar os fatores, mas apenas quando se encontra diante de combinações nas quais um fator varia enquanto os outros permanecem imutáveis; faz algumas inferências, mas não organizadas suficientemente para servir de esquema antecipatório.
Como não sabe provocar sistematicamente as operações, nas quais um fator varia e os outros permanecem imutáveis, torna-se impossível a exclusão dos fatores inoperantes. Esta dissociação de fatores através do método de variar apenas um e manter os outros constantes, possibilitando a exclusão, só ocorre no nível IIIB, nível de equilíbrio do período operatório formal.
TRAÇÃO DO PESO SOBRE O PLANO INCLINADO
Trata-se de um problema de equilíbrio que coloca em evidência as relações de trabalho.A criança é convidada a manipular um dispositivo composto por uma rampa móvel (A), que pode ser elevada ou abaixada, um caminhãozinho (M) preso por um cordão a um suporte de pesos (P), pequenos pesos de 20 gramas, que podem ser colocados no caminhão ou no suporte. Colocada a questão: O que faz o caminhão andar? a criança pode realizar experiências com o dispositivo para descobrir a resposta. Depois do sujeito dizer o que faz o caminhãozinho subir e o que o faz descer, pergunta-se: - O que você pode mudar sem que o carrinho ande? ou sugere-se: - você pode ir modificando o que quiser para descobrir a regra do equilíbrio do caminhãozinho.
Durante o período pré-operatório, Nível I, constata-se uma indiferenciação entre as ações do sujeito e os processos objetivos, isto é, a criança explica os fenômenos observados invocando as ações que pode exercer sobre o dispositivo. Assim, o dispositivo não constitui um conjunto independente de causas e efeitos, mas forma uma unidade com as ações do sujeito e o peso é uma força capaz tanto de puxar como de empurrar o caminhão.
O nível inicial do período operatório concreto (Nível IIA) o sujeito torna-se capaz de determinar o papel dos pesos, sem coordená-los com as inclinações. Assim, procura compor os pesos do carrinho (M) com os contrapesos (P) para manter o caminhão equilibrado; percebe o papel da inclinação, favorecendo a descida ou a subida do caminhão, mas não chega a prever que aumentando a inclinação precisa mais contrapeso (P) para o carrinho subir do que numa inclinação menor. A inclinação assume um segundo plano, tendo influência em algumas situações, mas não podendo ser combinado com os outros fatores.
Durante o Nível IIB (nível de equilíbrio do estágio operatório concreto) o sujeito descobre o papel da inclinação, assim os três fatores, peso do carrinho, contrapeso e inclinação da rampa, passam a ser considerados. Compreende que uma inclinação maior exige um trabalho superior, mas a noção de trabalho ainda é qualitativa. Por outro lado, coordena os fatores dois a dois, sem levar em conta o terceiro fator.
No período operatório formal, Nível IIIA, tem início uma coordenação qualitativa dos três fatores. Observa-se então que o sujeito experimenta os extremos e o meio, considera a inclinação ou no ângulo formado pela rampa e não a altura total e não consegue descobrir a lei. O progresso apresentado neste nível é a possibilidade de coordenar os três fatores em uma única ligação, compreendendo que a inclinação pode ser compensada por mais pesos P ou menos M.
Já no Nível IIIB, nível de equilíbrio do período operatório formal, o sujeito descobre a lei do equilíbrio, ou melhor, a proporcionalidade das alturas e dos pesos, encontrando a proporção métrica e explicando-a em termos de trabalho.
Bibliografia
PIAGET , INHELDER e cols. (1980). A origem da idéia de Acaso na criança. Rio de Janeiro.
INHELDER, B e PIAGET, J. (1976) Da lógica da criança à lógica do adolescente. Tradução de Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira.
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O PENSAMENTO DO ADOLESCENTE
Jean Piaget
Adaptação: Orly Z. Mantovani de Assis
Considerando-se os excelentes estudos publicados sobre a vida social e afetiva do adolescente, é surpreendente que tão pouco trabalho tenha sido realizado quanto ao pensamento do adolescente.
Os poucos estudos minuciosos a respeito são muito valiosos, mas até agora não nos permitiram ter um quadro coerente de conjunto. Os testes de inteligência nos mostraram o caráter hipotético-dedutivo do pensamento formal que se constitui a partir de 11-12 anos. Alguns trabalhos, de outro lado, sobre o pensamento matemático e físico do adolescente mostraram principalmente os resíduos do pensamento da criança que encontramos durante a adolescência, e isso por uma espécie de permanência dos problemas do plano concreto num plano mais abstrato.
Neste texto final desejamos verificar se os resultados apresentados anteriormente, neste livro, que se referem ao pensamento experimental de adolescentes que se dispõem a enfrentar aparelhos que os levam simultaneamente à ação e à reflexão, permitem identificar as grandes linhas desse quadro que nem os testes, nem o estudo do pensamento verbal, nem mesmo o do pensamento matemático, permitiram até agora esclarecer.
Do ponto de vista das estruturas lógicas, os resultados parecem comportar uma conclusão que distingue claramente o adolescente da criança. Esta chega apenas a lidar com operações concretas de classes, de relações e números, cuja estrutura não ultrapassa o nível dos "agrupamentos" lógicos elementares ou dos grupos numéricos aditivos e multiplicativos. A criança chega, assim, a utilizar as duas formas complementares da reversibilidade (inversão para as classes e os números, reciprocidade para as relações), mas sem fundi-Ias nesse sistema único e total que caracteriza a lógica formal. O adolescente, ao contrário, superpõe a lógica das proposições à das classes e das relações, e assim desenvolve, pouco a pouco (atingindo seu patamar de equilíbrio por volta de 14-15 anos), um mecanismo formal fundamentado simultaneamente nas estruturas do reticulado e do grupo das 4 transformações; estas lhe permitirão reunir, num mesmo todo, além do raciocínio hipotético-dedutivo e da prova experimental baseada na variação de um único fator (desde que as outras coisas permaneçam iguais), certo número de esquemas operatórios que utilizará continuamente em seu pensamento experimental, bem como lógico-matemático.
No entanto, a lógica não é tudo no pensamento, e é preciso verificar, agora, se tais transformações das estruturas lógicas acompanham outras modificações gerais do pensamento que comumente - às vezes explicitamente, e freqüentemente de maneira implícita - se admite serem características do adolescente. Desejamos tentar mostrar rapidamente, não apenas que isso acontece realmente, mas ainda que a transformação das estruturas constitui como que o núcleo a partir do qual se irradiam as diversas modificações mais visíveis do pensamento dos adolescentes.
Para isso, é preciso começar por eliminar um equívoco possível. A característica fundamental da adolescência é a integração do indivíduo na sociedade dos adultos. O critério da adolescência não deve ser dado, portanto, pela puberdade. A puberdade aparece mais ou menos na mesma idade em todas as raças e em todas as sociedades. A integração na sociedade dos adultos, ao contrário, varia consideravelmente nas várias sociedades, e até em diferentes ambientes sociais. Ora, para nossos objetivos, essa transição social fundamental será o fato essencial.
Portanto, não interessa estabelecer relação entre o pensamento formal e a puberdade. Não há dúvida de que há numerosos laços entre o aparecimento das estruturas formais e as transformações da afetividade, e logo mais falaremos destas últimas. No entanto, tais relações são complexas e não tem um sentido único. Por isso, ainda aqui estaríamos diante de uma confusão preliminar se quiséssemos reduzir a adolescência às manifestações da puberdade. Por exemplo, não podemos sustentar que o aparecimento do amor seja característico da adolescência; há crianças que se apaixonam; o que, em nossas sociedades, distingue um adolescente apaixonado de uma criança também apaixonada é que, geralmente, o primeiro complica seus sentimentos pela construção de um romance ou com a referência a ideais sociais e até literários de todos os tipos. Ora, a invenção de um romance ou a utilização de modelos coletivos diferentes nem são resultados diretos das transformações neuro-fisiológicas da puberdade e nem produtos exclusivos da afetividade; são também reflexos indiretos e específicos dessa tendência geral dos adolescentes para construir teorias e utilizar as ideologias de seu ambiente. E esta tendência só pode ser explicada se considerarmos os dois fatores associados que continuamente encontramos: as transformações do pensamento e a integração na sociedade adulta, devendo-se lembrar que esta última inclui uma reestruturação total da personalidade, na qual o aspecto intelectual acompanha ou complementa o aspecto afetivo.
No entanto, se o aparecimento do pensamento formal não é uma conseqüência da puberdade, não deverá ser considerado como uma manifestação das transformações cerebrais devidas à maturação do sistema nervoso e, que podem estar em relação direta, ou indireta, com a puberdade? Realmente, é muito provável que, se a criança de 7-8 anos (a não ser com raras exceções) não pode lidar com as estruturas que, em nossas sociedades, o adolescente enfrenta com tanta facilidade, isso se explica pelo fato de não ter certo número de coordenações cujas datas de formação são determinadas pelas etapas da maturação. De outro lado, as estruturas do reticulado e do grupo são muito provavelmente isomorfas das estruturas nervosas e são certamente isomorfas das estruturas dos modelos mecânicos que a cibernética imaginou para imitar o cérebro 0.2 Portanto, parece evidente que o desenvolvimento das estruturas formais da adolescência está ligado ao das estruturas cerebrais. No entanto, esta ligação está longe de ser simples, uma vez que a constituição das estruturas formais também depende certamente do meio social. A idade de 11-12 anos, que, em nossas sociedades, marca os seus inícios, é certamente muito relativa, pois a lógica das chamadas sociedades primitivas parece ignorar tais estruturas e estas têm uma história ligada à evolução da cultura e das representações coletivas, da mesma forma que uma história ontogenética. Se, em sua reflexão lógica e matemática, os gregos tomaram consciência de uma parte de tais estruturas, é verossímil que as crianças gregas estivessem atrasadas com relação às nossas; a idade atual de 11-12 anos seria, portanto, produto, não apenas de fatores neurológicos, mas também de uma aceleração progressiva do desenvolvimento individual sob a influência da educação e nada impede que, em futuro mais ou menos longínquo, essa idade média seja reduzida.
Em resumo, longe de constituir uma fonte de "idéias inatas" já inteiramente elaboradas, a maturação do sistema nervoso se limita a determinar o conjunto' das possibilidades e impossibilidades para determinado nível, em determinado ambiente social, e é portanto indispensável para a efetivação dessas possibilidades. Depois, essa efetivação pode ser acelerada ou retardada em função das condições culturais e educativas; é por isso que tanto o aparecimento do pensamento formal quanto a idade da adolescência em geral, isto é, a integração do indivíduo na sociedade adulta, dependem dos fatores sociais tanto e até mais do que dos fatores neurológicos.
No que se refere às estruturas formais, notamos muitas vezes a convergência entre algumas reações de nossos sujeitos e alguns ensinamentos escolares, a tal ponto que podemos perguntar se as manifestações individuais do pensamento formal não são apenas impostas pelo grupo social graças à educação formal e escolar. Mas a essa hipótese sociológica extrema, os fatos psicológicos permitem responder que a sociedade não atua por simples pressão exterior sobre os indivíduos em formação, e que estes não são, com relação ao ambiente social e nem com relação ao ambiente físico, simples “tábulas rasas” nas quais as coerções imprimiriam conhecimentos já inteiramente estruturados. Para que o meio social atue realmente sobre os cérebros individuais, é preciso que estes estejam em condições de assimilar as contribuições desse meio, e voltamos à necessidade de uma maturação suficiente dos instrumentos cerebrais individuais.
Desse processo circular, que caracteriza os intercâmbios entre o sistema nervoso e a sociedade, decorrem duas conseqüências. A primeira é que as estruturas formais não formas inata ou a priori, e que seriam inscritas previamente no sistema nervoso, e nem representações coletivas que existam inteiramente elaboradas fora e acima dos indivíduos, mas formas de equilíbrio que se impõe pouco a pouco ao sistema de intercâmbios entre os indivíduos e o meio físico, e ao dos intercâmbios entre os indivíduos, e esses dois sistemas constituem, aliás, um apenas, visto de duas perspectivas diferentes (distintos apenas para a análise). Portanto, isso volta ao que dissemos várias vezes.
A segunda conseqüência é que, entre o sistema nervoso e a sociedade, existe uma atividade individual, isto é, o conjunto das experiências e dos exercícios feitos pelo indivíduo para adaptar-se simultaneamente ao mundo físico e ao mundo social. Se as estruturas formais são leis de equilíbrio e se existe uma atividade funcional característica do indivíduo, deve-se esperar que o adolescente - se a adolescência é a idade da integração dos indivíduos em formação na sociedade dos adultos apresente uma série de manifestações espontâneas que traduzam essa construção das estruturas formais de uma maneira vivida e real, e de uma maneira que assegura, nas ações cotidianas e na vida dos sujeitos, sua integração na vida social dos adultos.
No entanto, devemos perguntar inicialmente o que é que, precisamente, significa essa integração. Ao contrário do que ocorre com a criança, que se sente inferior e subordinada ao adulto, o adolescente é o indivíduo que começa a considerar-se como igual aos adultos e julgá-los num plano de igualdade e de total reciprocidade. Mas a esse primeiro traço se juntam dois outros. Em segundo lugar, o adolescente é ainda o indivíduo em formação, mas que começa a pensar no futuro, isto é, em seu trabalho atual ou futuro dentro da sociedade, e que às suas atividades do momento junta um programa de vida para suas atividades ulteriores ou "adultas." Finalmente, e sem dúvida na grande maioria dos casos no que se refere a nossas sociedades, o adolescente é o indivíduo que, procurando introduzir-se e introduzir seu trabalho atual ou futuro na sociedade dos adultos, se propõe também (e, segundo ele, por isso mesmo) a reformar essa sociedade em algum domínio específico ou em sua totalidade; a integração de um indivíduo na sociedade adulta não poderia, realmente, realizar-se sem conflito, e enquanto a criança procura a solução dos conflitos nas suas compensações atuais (lúdicas ou reais), o adolescente acrescenta a essas compensações limitadas a compensação mais geral que é uma vontade de reformas, ou até um plano para executá-las.
Ora, assim definida em seus três aspectos fundamentais, a integração do adolescente na sociedade dos adultos supõe certamente alguns instrumentos intelectuais e afetivos, cuja elaboração espontânea é exatamente o que distingue a adolescência da infância. Mas, em que consistem tais instrumentos intelectuais novos, e qual pode ser a sua relação com o pensamento formal?
Se quisermos nos limitar a uma observação inteiramente global e ingênua, e sem procurar diferenciar por suas reações sociais específicas o colegial, o aprendiz, o jovem operário e o jovem camponês, o adolescente se distingue da criança, antes demais nada, por uma reflexão que ultrapassa o presente. O adolescente é o indivíduo que, embora diante de situações vividas e reais, se volta para a consideração de possibilidades. Em outros termos, e dando às palavras "teorias" e "sistemas" a significação mais ampla, o adolescente, ao contrário do que ocorre com a criança, é o indivíduo que começa a construir sistemas ou teorias.
A criança não constrói sistemas. Seu pensamento espontâneo talvez seja mais ou menos sistemático (inicialmente muito pouco, e depois mais), mas é o observador que de fora percebe isso, enquanto que a criança não toma consciência desse aspecto, pois seu pensamento não é auto-reflexivo. Por exemplo, quando há tempos estudamos a "representação do mundo" pela criança, pudemos observar certo número de reações sistemáticas e construir o sistema correspondente a tal ou qual nível; no entanto, fomos nós que o construímos, enquanto que a criança, embora freqüentemente encontrando espontaneamente as mesmas preocupações e dando inconscientemente respostas análogas não procura sistematizar suas idéias, pois não tem reflexão, isto é, um pensamento em segunda potência ou pensamento sobre o próprio pensamento, e isto é indispensável para a construção de qualquer teoria.
O adolescente, ao contrário, reflete sobre seu pensamento e constrói teorias. O fato de que sejam limitadas, inadequadas e, principalmente, pouco originais não tem importância; do ponto de vista funcional, tais sistemas apresentam a significação essencial de permitir ao adolescente sua integração moral e intelectual na sociedade dos adultos, e isso sem mencionar seu programa de vida e seus projetos de reforma.
Estes são indispensáveis para que o adolescente assimile as ideologias que caracterizam a sociedade ou as classes sociais, na medida em que são entidades opostas às simples relações interindividuais.
Examinemos, desse ponto de vista, um grupo de colegiais entre 14-15 anos e o baccalauréat [exame francês para jovens entre 18-19 anos, e que tenham terminado a escola secundária]. A maior parte tem teorias políticas e sociais e deseja reformar o mundo, explicando à sua maneira os mecanismos e as perturbações da vida coletiva. Outros têm teorias literárias ou estéticas e situam suas leituras ou suas experiências do belo numa escala de valores projetada em sistema. As crises religiosas e a reflexão sobre a fé, ou contra esta, dominam alguns, e estes partem então para um sistema geral, isto é, que desejam válido para todos. A especulação filosófica apaixona uma minoria e, para todo intelectual autêntico, a adolescência é a idade metafísica por excelência, cujas seduções perigosas a reflexão adulta terá dificuldade para esquecer. Uma minoria ainda mais reduzida se orienta desde o início para as teorias científicas ou pseudo-científicas. Mas cada um tem suas teorias, mais ou menos explícitas e redutíveis a fórmulas, ou simplesmente implícitas. Alguns escrevem e têm grande interesse reencontrar os esquemas de idéias que às vezes foram retomados e prolongados. Outros se limitam a falar e a meditar, mas cada um tem suas idéias próprias (e que geralmente acredita terem sido criados por ele), que o libertam da infância e lhe permitem colocar-se em pé de igualdade com o adulto.
Se nos afastamos da escola secundária tradicional e, sobretudo das classes intelectuais, e examinamos o adolescente aprendiz, operário ou camponês, encontramos o mesmo fenômeno sob outras formas: em lugar da elaboração de "teorias" pessoais, encontramos uma adesão às idéias transmitidas pelos colegas, desenvolvidas em reuniões ou provocadas por leituras. Encontramos um pouco menos de crises familiares e ainda menos crises religiosas, e, sobretudo, menos abstração. Mas sob aspectos externos diferentes e variados, identificaremos facilmente o mesmo processo central: o adolescente não se contenta mais com viver as relações interindividuais que seu ambiente lhe oferece, nem com a utilização de sua inteligência para resolver os problemas do momento; procura, além disso, colocar-se no mundo social dos adultos e, para isso, tende a participar das idéias, dos ideais e das ideologias de um grupo mais amplo, utilizando como intermediário certo número de símbolos verbais que o lhes eram indiferentes quando criança.
Ora, como explicar essa nova capacidade, característica do adolescente, de orientar-se para o que (visto de fora e por um observador que o compara à criança) é natural e abstrato, mas que visto de dentro constitui seu instrumento indispensável de adaptação ao mundo social adulto e, por conseguinte, seu interesse mais imediato e mais sentido? Não há dúvida de que aí estamos diante da manifestação mais direta e mais simples do pensamento formal. O pensamento formal constitui, ao mesmo tempo, uma reflexão da inteligência sobre si mesma (a lógica das proposições constitui um sistema operatório de segunda potência, e que opera com as proposições cuja verdade depende de operações de classes, de relações e de números) e uma inversão das relações entre o possível e o real (pois o real é colocado, como setor particular, no conjunto das combinações possíveis). São essas duas características - cuja descrição tentamos até aqui na linguagem abstrata que convém à análise dos raciocínios - que estão na origem das reações vividas e sempre impregnadas de afetividade por meio dos quais o adolescente constrói seus ideais para adaptar-se ao ambiente social. Se o adolescente constrói teorias isso se explica porque, de um lado, tornou-se capaz de reflexão e, de outro, porque sua reflexão lhe permite fugir do concreto atual na direção do abstrato e do possível. Não queremos de modo algum dizer com isso que inicialmente exista elaboração de estruturas formais, e depois, aplicação às reflexões individuais e socialmente úteis, como instrumentos adaptativos; ao contrário, esses são dois aspectos de uma mesma realidade e é mesmo porque o pensamento formal desempenha um papel fundamental, do ponto de vista funcional, que chega a se estruturar em seus modos gerais e lógicos. Ainda uma vez, a lógica não é estranha à vida; é apenas a expressão das coordenações operatórias necessárias à ação.
No entanto, isso não significa que a integração do adolescente no mundo social dos adultos se faça apenas através de teorias gerais e desinteressadas; existem ainda dois outros aspectos dessa integração, que são o programa de vida e a reforma da sociedade atual. O adolescente constrói suas teorias, ou adota, reconstruindo-as, as que lhe são apresentadas. Além da necessidade de participar das ideologias adultas, para ele é indispensável chegar a uma concepção das coisas que lhe dê a possibilidade de afirmar-se e criar (donde a ligação estreita entre o sistema construído e o programa de vida) e lhe garanta, ao mesmo tempo, que terá mais êxito que seus antecessores (donde as reformas necessárias, onde se misturam da maneira mais íntima as preocupações desinteressadas e as ambições características da juventude).
Em outras palavras, nesse novo plano de pensamento e de realidade que é descoberto pela inteligência operatória formal, ocorre o mesmo processo que observamos, patamar por patamar, nos diferentes níveis do desenvolvimento da criança: uma indiferenciação inicial entre o objeto ou o outro e as atividades pessoais, seguida de uma descentração no sentido da objetividade e da reciprocidade. Já no plano senso-motor o bebê começa por não saber dissociar o que decorre de suas ações e o que pertence apenas aos objetos ou às pessoas exteriores: inicialmente, vive num mundo sem objetos exteriores permanentes e sem a consciência de um eu ou de uma subjetividade interior; depois, por uma série de descentrações devidas à coordenação progressiva de suas ações, chega a diferenciar seu eu e a situar seu corpo num universo espacial e causalmente organizado, composto por objetos permanentes e por pessoas semelhantes a ele. Mas, com o aparecimento da função simbólica, a linguagem, a representação e os intercâmbios com outro ampliam esse universo em proporções imprevistas, e exigem uma nova estruturação. Nesta segunda situação, o egocentrismo reaparece sob um novo plano e sob a forma de uma relativa indiferenciação inicial entre o ponto de vista pessoal (ponto de vista representativo e não mais senso-motor) e o dos outros, bem como uma indiferenciação relativa entre o subjetivo e o objetivo (sempre quanto à representação e não mais quanto aos esquemas senso-motores). Com as coordenações conseguidas no nível das operações concretas (7-8 anos), torna-se possível uma descentração suficiente e que permite à criança pensar objetivamente as ligações entre classes, relações e números, e de agir de maneira interindividual segundo um conjunto de relações cooperativas (a cooperação e a constituição das operações representam, aliás, os dois aspectos de uma mesma realidade). Mas com a nova ampliação do universo que é provocada pela elaboração do pensamento formal, inicialmente se manifesta uma terceira forma de egocentrismo, e assinala uma das características mais ou menos constantes da adolescência, até a nova descentração ulterior que será possível por causa do início real do trabalho adulto.
Esta forma superior de egocentrismo, apresentada pelo adolescente, é, aliás, a conseqüência inevitável de sua integração na vida social adulta, pois o adolescente não procura apenas adaptar seu eu ao ambiente social, mas também adaptar o ambiente social a seu eu. Em outras palavras, ao pensar no ambiente em que procura localizar-se, pensará em sua atividade social nesse ambiente social e nos meios para transformá-lo. Disso decorre uma relativa indiferenciação entre seu ponto de vista de indivíduo chamado a construir seu programa de vida e o ponto de vista do grupo que ele deseja transformar.
Mais concretamente, o egocentrismo característico da adolescência se manifesta por uma espécie de messianismo de tal tipo que as teorias através das quais representa ao mundo estão centradas na atividade reformadora que se sente chamado a desempenhar no futuro. Aqui, convém não nos limitarmos apenas à simples observação, mas utilizar também os documentos mais secretos, entre os quais os trabalhos escritos, não destinados à publicação imediata, os diários íntimos ou simplesmente as confidências que às vezes obtemos dos adolescentes quanto a seus devaneios mais íntimos. Lembremos, por exemplo, as descrições dos devaneios noturnos que foram solicitadas a uma classe de colégio. Os alunos mais normais, mais modestos e mais delicados confessavam, sem preocupação, algumas imaginações e fabulações que, alguns anos mais tarde, pareceriam a seus olhos sinais de megalomania patológica... sem insistir nessas representações específicas, o aspecto geral do fenômeno deve ser procurado na relação entre as teorias aparentemente abstratas, elaboradas pelo sujeito, e o plano de vida que traça para si mesmo: percebemos então que, sob um aspecto exterior impessoal e geral, o sistema inclui um programa de ação com uma ambição ingênua e muitas vezes desmedida. Consideremos, como exemplo, alguns antigos alunos de uma pequena classe, numa pequena cidade suíça de língua francesa. Um deles, que depois se tornou comerciante, espantava seus colegas por suas doutrinas literárias e escrevia, em segredo, um romance. Um outro, que se tornou diretor de uma companhia de seguros, se interessava, entre outras coisas, pelo futuro do teatro e mostrava, a alguns íntimos, a primeira cena de um primeiro ato de uma tragédia - e que, aliás, não passou dessa cena. Um terceiro, apaixonado pela filosofia, buscava simplesmente a reconciliação entre a ciência e a religião. Nem é preciso lembrar os reformadores sociais e políticos, de esquerda e de direita. Havia apenas duas exceções a esses surpreendentes programas de vida: eram dois adolescentes um pouco dominados por "superegos" dos pais. e cujas fantasias secretas não eram conhecidas.
Em alguns casos esses tipos de programas de vida têm uma influência real no desenvolvimento ulterior do indivíduo e pode ocorrer que encontremos, em seus papéis de adolescentes, o esboço de algumas idéias que efetivamente desenvolveram mais tarde. Mas em muitos outros casos, os projetos de adolescentes parecem mais uma espécie de jogo superior com funções de compensação, de participação em ambientes realmente inacessíveis, etc. Pensamos que, nessa espécie de egocentrismo característico do adolescente, existe mais do que um simples desejo de ser diferente dos outros: há também um fenômeno de indiferenciação a respeito do qual convém insistir um pouco mais.
É característico do processo que, em qualquer dos patamares de desenvolvimento, vá do egocentrismo à descentração, subordine o progresso do conhecimento a uma revisão constante das perspectivas. Todos já notaram que a criança confunde o subjetivo e o objetivo, e, se a hipótese do egocentrismo se limitasse a repetir isso, seria perfeitamente inútil; sua significação real consiste, ao contrário, em sustentar que o progresso do conhecimento não é aditivo e que o fato de acrescentar um conhecimento a outro não é suficiente para a formação de uma atitude de objetividade. Esta supõe, ao contrário, uma descentração, isto é, uma revisão contínua das perspectivas: o egocentrismo é o estado de indiferenciação que ignora a multiplicidade das perspectivas, enquanto que a objetividade supõe, ao mesmo tempo, uma diferenciação e uma coordenação dos pontos de vista.
Ora, é um processo análogo a esse o que encontramos no nível da adolescência, nesse plano superior do pensamento que é o das estruturas formais: a ampliação indefinida da reflexão que permite esse novo instrumento que é a lógica das proposições conduz, inicialmente, a uma indiferenciação entre esse poder novo e imprevisto que o eu descobre e o universo social ou cósmico que é o objeto dessa reflexão. Em outras palavras, o adolescente passa por uma fase em que atribui um poder ilimitado ao seu pensamento, quando o fato de pensar num futuro glorioso ou em transformar o mundo pela idéia (mesmo que esse idealismo adquira a forma de um materialismo com todas as variedades) parece não somente um ato de conhecimento positivo, mas ainda uma ação efetiva que modifica a realidade como tal. Portanto, aí existe uma forma de egocentrismo do pensamento, bem diferente da encontrada na criança (que é senso-motor, ou simplesmente representativo, mas sem "reflexão"), mas que decorre do mesmo mecanismo em função de condições novas, criadas pela elaboração do pensamento formal.
Existe uma forma para verificar essa interpretação: estudar o processo de descentração que permite, a seguir, que o adolescente escape dessa relativa indiferenciação inicial e se cure de sua crise idealista para chegar novamente ao real, e, portanto, que o conduz da adolescência ao início real da vida adulta. Ora, essa descentração se realiza, como no nível das operações concretas, simultaneamente no plano social e no plano do pensamento.
Socialmente, todos notam a tendência do adolescente para se reunir em grupos com seus semelhantes: grupos de discussão ou de ação, grupos políticos, movimentos de juventude, acampamentos de férias, etc., Trata-se de uma fase de expansão, posterior a uma de fechamento, sem que possamos sempre distinguir nitidamente uma da outra. Ora, essa vida social é origem de descentração intelectual e não apenas moral: é principalmente nas discussões com os colegas que o criador de teorias freqüentemente descobre, pela crítica às dos outros, a fragilidade das suas.
No entanto, do ponto de vista da descentração, o fato principal é o início do trabalho propriamente dito. É ao empreender uma tarefa efetiva que o adolescente se torna adulto e o reformador idealista se transforma em realizador. Em outras palavras, é o trabalho que permite que o pensamento ameaçado de formalismo se volte para o real. Ora, a observação mostra como essa reconciliação entre o pensamento e a experiência pode ser trabalhosa e lenta. Basta examinar o comportamento de estudantes que se iniciam numa disciplina experimental para verificar até que ponto a crença do adolescente no poder do pensamento pode durar muito tempo e até que ponto o espírito está pouco inclinado a subordinar as idéias à análise dos fatos (o que não significa que os fatos sejam acessíveis independentemente de uma interpretação, mas sim que a construção interpretativa só adquire valor com a sua verificação experimental).
A respeito, os resultados dos capítulos do livro Da lógica da criança à lógica do adolescente apresentam um problema de certa importância. As reações dos sujeitos aos aparelhos experimentais muito diferentes mostram que depois de uma fase de elaboração (11-12 até 13-14 anos) em que o pré-adolescente chega a dominar algumas operações formais (implicação, exclusão, etc.) mas sem constituir um método suficiente de verificação, o adolescente de 14-15 anos chega e espontaneamente, pois é neste domínio que o verbalismo escolar assinala sua maior deficiência) a utilizar sistematicamente os processos de controle que implicam uma combinatória, fazendo variar um único fator com a exclusão dos outros ("conservando iguais as outras coisas", etc.). Ora, esta constituição dos instrumentos de verificação experimental decorre diretamente, como o vimos repetidamente, do pensamento formal e das operações interproposicionais. Portanto, como é possível - e este é o problema - que, mostrando-se assim capaz simultaneamente de dedução e de indução experimental, o adolescente dê um tal poder a primeira e chegue tão tarde a utilizar a segunda num trabalho contínuo e efetivo (pois uma coisa é reagir de maneira experimental a um aparelho anteriormente preparado, e outra organizar sozinho um trabalho de pesquisa)? O problema não é apenas ontogenético; é histórico, e a mesma pergunta se propõe quando procuramos compreender porque os gregos se limitaram (salvo algumas exceções) a refletir e a deduzir , e que a ciência moderna, centralizada na física, tenha levado tantos séculos para se formar.
É para resolver esse problema (e aqui falamos apenas do adolescente) que nos parece indispensável lembrar, ao lado do aparecimento do pensamento formal, a indiferenciação relativa do sujeito e do objeto e que acompanha, nesse novo plano, a sua utilização, e depois a descentração trabalhosa e lenta que são provocadas apenas por algumas colaborações sociais e pela progressiva submissão a um trabalho efetivo.
Verificamos, assim, que as principais características intelectuais da adolescência decorrem direta ou indiretamente da elaboração das estruturas formais, e que essa elaboração constitui o acontecimento central do pensamento característico dessa fase. Quanto às novidades afetivas que assinalam essa fase, podemos falar em duas novidades principais e que, como sempre, são paralelas ou correspondentes às transformações intelectuais, pois a afetividade representa o fator de energia das condutas, enquanto a estrutura define as funções cognitivas (o que não significa que a afetividade seja determinada pelo intelecto, e nem o inverso, mas, que o intelecto e a afetividade estão indissoluvelmente unidos no funcionamento da pessoa).
Se a adolescência é a idade da integração dos indivíduos em formação no universo social adulto (e esta integração coincide ou não com a puberdade), esta adaptação social decisiva deve exigir, em correlação com o desenvolvimento das operações formais ou proposições que garantem a sua estruturação intelectual, as duas transformações fundamentais exigidas pela socialização afetiva adulta: os sentimentos relativos a ideais, que se acrescentam aos sentimentos entre as pessoas, e a formação de personalidades, caracterizadas pelo papel social e a escala de valores que se atribuem (e não mais apenas pela coordenação dos intercâmbios que mantém com o meio físico e as outras pessoas).
Evidentemente, este não é um lugar para nos dedicarmos a um ensaio de psicologia afetiva, mas é interessante notar, para concluir, como esses dois aspectos essenciais de adolescência também são ligados às transformações de comportamento provocadas pela construção das estruturas formais.
No que se refere, inicialmente, a sentimentos relativos aos ideais, é notável observar até que ponto a criança permanece quase que inteiramente estranha a eles.
Uma pesquisa sobre a idéia de pátria e sobre as atitudes sociais ligadas a ela nos mostrou que a criança é sensível à sua família, aos lugares em que mora, à sua cidade, à sua língua materna, a alguns costumes, etc., mas que permanece surpreendentemente ignorante e espantosamente insensível no que se refere, não talvez à sua qualidade ou à qualidade de seus parentes de serem suíços, franceses, etc., mas à sua pátria enquanto realidade coletiva. Isso é, aliás, muito natural, pois, se a lógica de 7 a 11 anos se limita a lidar com objetos concretos e manipuláveis, nenhuma operação disponível nesse nível permitirá a elaboração de um ideal que ultrapasse o sensível. Este é apenas um exemplo entre outros: as noções de humanidade, de justiça social (por oposição à justiça interindividual que é profundamente vivida desde o nível concreto), de liberdade de consciência, de coragem cívica e intelectual, etc., são ideais que comoverão profundamente, como a idéia de pátria, a afetividade do adolescente, sem que possam ser compreendidos ou sentidos, a não ser através de alguns reflexos individuais, pela mentalidade da criança.
Em outras palavras, dos sentimentos sociais a criança conhece apenas os afetos interindividuais, pois os sentimentos morais são vividos apenas em função do respeito unilateral (autoridade) ou do respeito mútuo. A esses sentimentos, que evidentemente permanecem no adolescente e no adulto, a partir dos 13-15 anos se acrescentam os sentimentos relativos aos ideais ou às idéias como tais. Evidentemente, um ideal é sempre mais ou menos encarnado numa pessoa e continua a ser um elemento interindividual importante nesse conjunto de sentimentos novos; mas o problema é saber se a idéia é objeto da afetividade por causa da pessoa, ou a pessoa por causa da idéia. Ora, enquanto a criança nunca sai desse círculo porque seus únicos ideais sensíveis são os ideais encarnados, na adolescência ocorre uma superação, no sentido da independência dos ideais e percebemos, sem comentário, a semelhança entre esse mecanismo afetivo e o pensamento formal.
No que se refere à personalidade, pode-se dizer que não há outra noção tão mal definida no vocabulário psicológico - já tão dificilmente manejável - e a causa disso é que a personalidade se orienta em sentido inverso ao do eu: se o eu é naturalmente egocêntrico, a personalidade é o eu descentralizado. O eu é detestável, e tão mais detestável quanto mais forte, enquanto que uma forte personalidade é aquela que chega a disciplinar seu eu. Em outras palavras, a personalidade é a submissão do eu a um ideal que encarna, mas que o ultrapassa e ao qual se subordina; é a adesão a uma escala de valores, não abstrata, mas relativa a uma obra; portanto, é a adoção de um papel social, mas não preparado como uma função administrativa, e sim de um papel que o indivíduo irá criar ao representar.
Dizer que a adolescência é a idade da integração no universo social adulto é, portanto, sustentar que é a idade da formação da personalidade, pois essa integração é, sob outro aspecto, necessariamente complementar, a construção de uma personalidade. Além disso, o programa de vida e o plano de reformas que, segundo acabamos de ver, constituem, sob o ângulo das funções cognitivas ou do pensamento, uma das características essenciais da conduta do adolescente, são ao mesmo tempo o motor afetivo da formação da personalidade. Um plano de vida é, em primeiro lugar, uma escala de valores que colocará alguns ideais como subordinados a outros e subordinará os valores meios aos fins considerados como permanentes. Ora, essa escala de valores é a organização afetiva correspondente à organização intelectual da obra que o recém-chegado ao universo social pretende realizar. Um plano de vida é, de outro lado, uma afirmação de autonomia, e a autonomia moral enfim inteiramente conquistada pelo adolescente, que se considera igual aos adultos, é um outro aspecto afetivo essencial da personalidade nascente que se prepara para enfrentar a vida.
Em conclusão, as aquisições afetivas fundamentais da adolescência são paralelas às suas aquisições intelectuais. Para poder compreender o papel das estruturas formais no pensamento na vida do adolescente, precisamos finalmente inseri-las na sua personalidade total. Mas, de outro lado, não compreenderíamos inteiramente a formação dessa personalidade sem aí englobar também as transformações do pensamento e, conseqüentemente, a construção das estruturas formais.
Bibliografia
INHELDER, B e PIAGET, J. (1976) Da lógica da criança à lógica do adolescente. Tradução de Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira, pp.249-260.
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